A ex-presidente Dilma Rousseff no velório do ex-marido, Carlos Araújo
Folha de S.Paulo – Alexandre Elmi
A
ex-presidente Dilma Rousseff acusou a proposta de criação do chamado
distritão, prevista no projeto de reforma política em debate no
Congresso, de ser uma extensão do golpe que teria sido praticado contra
ela em 2016.
O
comentário foi feito durante um discurso emocionado ao final da
cerimônia de despedida do ex-marido, o advogado trabalhista Carlos
Araújo, morto na madrugada deste sábado (12), em Porto Alegre, aos 79
anos.
"O
golpe é um processo, não é uma iniciativa isolada. Começou com o
impeachment, continua com o impedimento da candidatura de Lula (em 2018)
e pode continuar com a criação do distritão e do parlamentarismo",
disse Dilma a familiares, amigos e políticos de expressão regional que
compareceram ao velório.
A
ex-presidente também atacou a elite do país. "Temos uma elite
insensível, interessada no descontrole político e não no desenvolvimento
da nação brasileira e do nosso povo", discursou, em meio a referências
afetuosas ao ex-companheiro.
Ao
destacar a coerência política do ex-marido, Dilma lembrou a
solidariedade de Araújo durante o período em que sofreu o processo de
impeachment. "Ele estava estarrecido. Ele foi um lutador contra a
ditadura [militar] e contra o poder que emana das elites econômicas,
políticas e midiáticas", destacou.
Foi
o único momento em a que ex-presidente Dilma falou de maneira pública,
durante o velório. Araújo não resistiu a complicações pulmonares e
morreu à 0h01, na UTI do Hospital São Francisco, no Complexo Hospitalar
da Santa Casa de Porto Alegre.
A
despedida teve início às 15h na Assembleia Legislativa gaúcha e foi
aberta ao público pouco depois para que os parentes mais próximos
tivessem contato reservado com o corpo do político.
Durante
toda a tarde, Dilma não falou com a imprensa. Ela optou por ficar
circulando entre conhecidos da capital gaúcha. A ex-presidente
intercalou momentos ao lado do caixão e em um espaço restrito, com
acesso ao salão Julio de Castilhos da Assembleia. Ela voltava ao saguão
para receber os cumprimentos de amigos, familiares e políticos.
A
petista ficou em pé, boa parte do tempo, na companhia da filha que teve
com Araújo, a procuradora do trabalho Paula Rousseff de Araújo, e do
genro, Rafael Covolo. Transparecia serenidade e emoção.
Colega
de ministério no governo Lula, Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande
do Sul (2011-2014) pelo PT e ex-ministro da Justiça, chegou por volta
das 16h50. Abraçou a ex-presidente e conversaram brevemente.
Na
saída, abatido, Tarso lamentou a perda do amigo. Sublinhou o passado de
luta pela democracia do político morto. "A gente está em uma idade de
perder as nossas melhores referências", disse Genro.
O
tom de perda de um amigo também caracterizou as palavras do
ex-governador Olívio Dutra (PT), para quem Araújo exercia uma liderança
que chamou de "franca e fraterna".
Dutra
lembrou o envolvimento do político nos movimentos sociais e sindicais
na década de 1980 e o trabalho de Araújo como deputado estadual por três
mandatos. "Era daqueles militantes que não vacila, na luta pelos
direitos do trabalhador", ressaltou Dutra.
Para
o ex-deputado federal e um dos líderes do PDT no Rio Grande do Sul
Carlos Eduardo Vieira da Cunha, Araújo tinha como marca a capacidade de
diálogo.
"Ele era um trabalhista, mas tinha relação com todas as forças de esquerda", afirmou Vieira da Cunha ao chegar ao velório.
Em
nota, o governador José Ivo Sartori (PMDB-RS) afirmou que Araújo "se
destacava pelo espírito democrático, se relacionando de forma fraternal e
sempre respeitando posições diversas".
Considerado
um "filho político" de Araújo, o ex-presidente da Anac (Agência
Nacional de Aviação Civil), Milton Zuanazzi, também discursou na
cerimônia final. Antes, ao elogiar a capacidade de articulação política
do ex-companheiro do PDT, Zuanazzi reconheceu que faltou alguém com o
perfil de Araújo no governo de Dilma.
"Carlos
Araújo é aquele tipo de pessoa que faz falta a qualquer governo. Para
um governo que acabou com um impeachment, mais ainda", comentou
Zuanazzi, que construiu boa parte da carreira política ao lado de
advogado trabalhista.
TRAJETÓRIA
Nascido
em São Francisco de Paula, RS, em 1938, Carlos Franklin Paixão de
Araújo era filho do também advogado trabalhista Afrânio Araújo, de quem
herdou o gosto pelo direito e pela política.
Na
década de 1950, ingressou na Juventude Comunista e integrou a delegação
brasileira para o Festival da Juventude de Moscou em 1957. Anos mais
tarde, integrou a organização guerrilheira VAR-Palmares, na qual em 1969
conheceu a futura mulher, Dilma Rousseff, com quem viveu até 2000 e
depois seguiu como amigo.
Max,
codinome pelo qual era conhecido nos tempos de luta armada, foi preso
pela ditadura militar em julho de 1970, meses após a captura de Dilma.
Ele deixou a cadeia em 1974, mesmo ano em que perdeu o pai e assumiu o
escritório de advocacia que existe até hoje na capital gaúcha.
Na
carreira política, era ligado a Leonel Brizola e foi um dos fundadores
do PDT, partido pelo qual se elegeu deputado estadual por três vezes e
chegou a disputar a Prefeitura de Porto Alegre, em 1988 -na época,
perdeu a eleição para Olívio Dutra, que inaugurou a série de quatro
gestões seguidas na cidade sob comando do PT.
Em
2000, junto com Dilma e outros correligionários, Araújo deixou o PDT e
passou a se dedicar a o escritório que mantém na capital gaúcha.
Mesmo
afastado da vida política, Carlos Araújo não deixou de opinar sobre
assuntos políticos contemporâneos. Sobre o processo que levou ao
impeachment da amiga e ex-mulher da Presidência, Araújo considerava que
houve um "golpe" e que Dilma foi abandonada pelo PT.