É hora de sonhar com 2018, deixar de lado o desânimo e preparar o futuro
O Estado de S. Paulo - Fernando Henrique Cardoso
Escrevo
antes de saber o resultado da votação pela Câmara da autorização para o
STF poder julgar a denúncia oferecida pelo procurador-geral contra o
presidente da República. É pouco provável que a autorização seja
concedida. Houve precipitação da Procuradoria, que fez a denúncia sem
apurações mais consistentes. Entretanto, para o que desejo dizer, pouco
importa a votação: a denúncia em si mesma e a fragmentação dos partidos
no encaminhamento da matéria já indicam um clima de quase anomia, no
qual algumas instituições do Estado e os partidos políticos se perderam.
Esta
não é uma crise só brasileira. Em outros países onde prevalecem
sistemas democrático-representativos também se observa a descrença nas
instituições, por seu comportamento errático, sobretudo no caso dos
partidos. Mesmo nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França – países
centrais na elaboração de ideologias democráticas e na formação das
instituições políticas correspondentes – se nota certa falta de
prestígio de ambas. Não falta quem contraste as deficiências dos regimes
democráticos com as supostas vantagens dos regimes autoritários e mesmo
ditatoriais.
O
contraste é falacioso, sobram exemplos de ineficiência nos regimes
autoritários, sem falar na perda da liberdade, individual e pública,
cujo valor não pode ser medido em termos de eficiência dos governos. Nem
faltam casos para mostrar o quanto podem levar ao desastre os regimes
que de autoritários passam a ditatoriais, como na Turquia atual ou, mais
impressionantemente ainda, na Venezuela, onde acontece um verdadeiro
horror perante os céus. Nela, a inexistência das garantias democráticas
se soma ao descalabro econômico-financeiro.
Não
é, contudo, o caso do Brasil. Houve, é certo, a perda de controle das
finanças públicas pelo governo anterior. Mas nunca se chegou a ameaçar
diretamente a democracia. Aqui o que houve foi a generalização e a
sacralização da corrupção, com as ineficiências decorrentes,
aprofundando a perda de confiança popular no governo e na vida política.
Nesse sentido, estamos imersos num mar de pequenos e grandes problemas e
tão atarantados com eles que somos incapazes de vislumbrar horizonte
melhor. É isso o que mais me preocupa, a despeito da gravidade tanto dos
casos de corrupção quanto dos desmandos que vêm ocorrendo.
Falta
alguém dizer como De Gaulle disse quando viu o desastre da Quarta
República francesa e a derrocada das guerras coloniais: que era preciso
manter uma “certa ideia da França” e mudar o rumo das coisas. Aqui e
agora, guardadas as proporções, é preciso que alguém – ou algum
movimento – encarne uma certa ideia de Brasil e mude o rumo das coisas.
Precisamos sentir dentro de cada um de nós a responsabilidade pelo
destino nacional. Somos 210 milhões de pessoas, já fizemos muito como
país, temos recursos, há que voltar a acreditar no nosso futuro.
Diante
do desmazelo dos partidos, da descrença e dos fatos negativos (não só a
corrupção, mas o desemprego, as desigualdades e a falta de crença no
rumo) é preciso responder com convicções, direção segura e reconstrução
dos caminhos para o futuro. Isso não significa desconhecer que existam
conflitos, incluídos os de classe, nem propor que política se faça só
com “os bons”. Significa que chegou a hora de buscar os mínimos
denominadores comuns que nos permitam ultrapassar o impasse de mal-estar
e pessimismo.
Infelizmente,
os partidos, sozinhos, não darão respostas a essa busca. O quadro
desastroso – quase 30 partidos atuando no Congresso, separados não por
crenças, mas por interesses grupais que se chocam na divisão do bolo
orçamentário e no butim do Estado – isola as pessoas e os líderes,
enclausurando-os em partidos que se opõem uns aos outros sem que se veja
com clareza o porquê.
Penso
que o polo progressista, radicalmente democrático, popular e íntegro
precisa se “fulanizar” numa candidatura que em 2018 encarne a esperança.
As dicotomias em curso já não preenchem as aspirações das pessoas: elas
não querem o autoritarismo estatista nem o fundamentalismo de mercado.
Desejam um governo que faça a máquina burocrática funcionar, com
políticas públicas que atendam às demandas das pessoas. Um governo que
seja inclusivo, quer dizer, que mantenha e expanda as políticas
redutoras da pobreza e da desigualdade (educação pública de maior
qualidade, impostos menos regressivos, etc.); que seja fiscalmente
responsável, atento às finanças públicas, e ao mesmo tempo entenda que
precisamos de maior produtividade e mais investimento público e privado,
pois sem crescimento da economia não haverá recuperação das finanças
públicas e do bem-estar do povo.
Um
governo que, sobretudo, diga em alto e bom som que decência não
significa elitismo, mas condição para a aceitação dos líderes pelos que
hão de sustentá-los. Brizola, referindo-se a Lula, disse que ele era a
“UDN de macacão”, lembrando a pregação ética dos fundadores do PT.
Infelizmente, Lula despiu o macacão e se deixou engolfar pelo que havia
de mais tradicional em nossa política: o clientelismo e o
corporativismo, tendo a corrupção como cimento. Não é desse tipo de
liderança que precisamos para construir um grande País.
Ainda
que venham a ocorrer novos episódios que ponham em causa o atual
governo, e melhor seria que não houvesse, de pouco adianta substituir
quem manda hoje por alguém eleito indiretamente: ao líder faltaria o
sopro de legitimidade dado pelo voto popular, necessário para enfrentar
os desafios contemporâneos. É tarde para chorar por impeachments
perdidos ou por substituições que nada mudam. É hora de sonhar com 2018 e
deixar de lado o desânimo. Preparemos o futuro juntando pessoas,
lideranças e movimentos políticos num congraçamento cívico que balance a
modorra dos partidos e devolva convicção e esperança à política.
*Sociólogo, foi Presidente da República