quarta-feira, 10 de maio de 2017

Se quiser vencer o duelo, Moro tem de enquadrar Lula


Se quiser vencer o malfadado "duelo", juiz Moro precisa enquadrar Lula
Igor Gielow – Folha de S.Paulo

Desde talvez o embate entre os clãs de primos Pandavas e Kauravas, a batalha central do épico formativo hindu "Mahabharata", o confronto direto entre adversários sempre foi um imenso atrativo para o público.
É pena que tenhamos descido tão baixo a ponto de ter de discutir um depoimento à Justiça como se fosse uma batalha envolvendo os míticos Arjuna e Bishma, mestres da arte da guerra que pontificam a obra indiana. Coisas da pós-verdade, hiperconectividade, o diabo.
Obviamente, me refiro ao depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao juiz federal Sergio Moro, que ocorre nesta quarta (10) na sonífera Curitiba. Como já escrevi aqui mesmo, há algo errado quando um passo processual se torna o equivalente a uma final de campeonato -ou a um duelo de Velho Oeste, como o mais famoso de todos, ocorrido às portas do OK Corral de Tombstone (Arizona), em 1881.
Primeiramente, nada tão dramático deverá ocorrer. Exceto por deslize inconcebível de lado a lado, Lula não irá dar um baile em Moro ou sairá preso por desacato —ainda que, não é absurdo pensar, o petista bem que poderia tentar isso para reforçar sua historinha de vitimização na Operação Lava Jato. O juiz, por sua vez, não parece estar em posição de fazer Lula confessar pecados inenarráveis normalmente.
Feita a ressalva, é claro que uma figura como Lula frente a frente com aquele que é identificado publicamente como sua nêmesis é um fato de destaque. Melhor se não fosse, e caberia a Moro e ao poder público evitarem cair nas inúmeras armadilhas deitadas pela maior raposa política do país.
Pois só isso, uma provocação aceita gostosamente, poderia ter feito Moro se dar ao trabalho de gravar aquele vídeo caseiro barato, pedindo para que os "coxinhas" (aspas, por favor) não fossem às ruas enfrentar os "mortadelas" (idem) que prometem ocupar as ruas da capital paranaense. Na mesma mensagem, ele agradecia o apoio da galera.
(Um parêntese casual: se Moro quiser entrar na política, vai precisar melhorar e muito sua performance em vídeo.)
O mesmo vale para a liminar obtida pela prefeitura curitibana impedindo a concentração desses mesmos manifestantes pró-Lula, que caiu como uma luva para a argumentação de luta de classes vendida pelo PT. Uma coisa é deixar vias abertas numa cidade, outra é cercear o direito de uma legião de Mulders (o personagem sob a bandeira do "Eu quero acreditar" da série "Arquivo X") ir à rua dizer que crê em disco voador, ou em Lula.
Esse clima envenenado se espalha pelo país, como o enésimo "round" da disputa entre o ministro Gilmar Mendes e o procurador-geral Rodrigo Janot demonstra. Ambos não têm condições, a essa altura, de acusar um ao outro. Estão os dois errados, ainda que possa haver mérito pontual nos argumentos, pois esse acirramento não torna a Justiça mais viva e conectada à realidade -e sim mais injusta, descolada do interesse público.
Voltando a Curitiba, até aqui Lula vai vencendo o duelo antecipado. Moro poderá enquadrá-lo, dando ares de normalidade ao encontro desta quarta. Ou ceder de vez e ajudar a produzir mais uma peça de propaganda eleitoral que, caso Lula não esteja impedido legalmente de concorrer, veremos na TV no ano que vem.