Se quiser vencer o malfadado "duelo", juiz Moro precisa enquadrar Lula
Igor Gielow – Folha de S.Paulo
Desde
talvez o embate entre os clãs de primos Pandavas e Kauravas, a batalha
central do épico formativo hindu "Mahabharata", o confronto direto entre
adversários sempre foi um imenso atrativo para o público.
É
pena que tenhamos descido tão baixo a ponto de ter de discutir um
depoimento à Justiça como se fosse uma batalha envolvendo os míticos
Arjuna e Bishma, mestres da arte da guerra que pontificam a obra
indiana. Coisas da pós-verdade, hiperconectividade, o diabo.
Obviamente, me refiro ao depoimento do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao juiz federal Sergio
Moro, que ocorre nesta quarta (10) na sonífera Curitiba. Como já escrevi aqui mesmo,
há algo errado quando um passo processual se torna o equivalente a uma
final de campeonato -ou a um duelo de Velho Oeste, como o mais famoso de
todos, ocorrido às portas do OK Corral de Tombstone (Arizona), em 1881.
Primeiramente,
nada tão dramático deverá ocorrer. Exceto por deslize inconcebível de
lado a lado, Lula não irá dar um baile em Moro ou sairá preso por
desacato —ainda que, não é absurdo pensar, o petista bem que poderia
tentar isso para reforçar sua historinha de vitimização na Operação Lava
Jato. O juiz, por sua vez, não parece estar em posição de fazer Lula
confessar pecados inenarráveis normalmente.
Feita
a ressalva, é claro que uma figura como Lula frente a frente com aquele
que é identificado publicamente como sua nêmesis é um fato de destaque.
Melhor se não fosse, e caberia a Moro e ao poder público evitarem cair
nas inúmeras armadilhas deitadas pela maior raposa política do país.
Pois só isso, uma provocação aceita gostosamente, poderia ter feito Moro se dar ao trabalho de gravar aquele vídeo caseiro barato,
pedindo para que os "coxinhas" (aspas, por favor) não fossem às ruas
enfrentar os "mortadelas" (idem) que prometem ocupar as ruas da capital
paranaense. Na mesma mensagem, ele agradecia o apoio da galera.
(Um parêntese casual: se Moro quiser entrar na política, vai precisar melhorar e muito sua performance em vídeo.)
O mesmo vale para a liminar obtida
pela prefeitura curitibana impedindo a concentração desses mesmos
manifestantes pró-Lula, que caiu como uma luva para a argumentação de
luta de classes vendida pelo PT. Uma coisa é deixar vias abertas numa
cidade, outra é cercear o direito de uma legião de Mulders (o personagem
sob a bandeira do "Eu quero acreditar" da série "Arquivo X") ir à rua
dizer que crê em disco voador, ou em Lula.
Esse clima envenenado se espalha pelo país, como o enésimo "round" da
disputa entre o ministro Gilmar Mendes e o procurador-geral Rodrigo
Janot demonstra. Ambos não têm condições, a essa altura, de acusar um ao
outro. Estão os dois errados, ainda que possa haver mérito pontual nos
argumentos, pois esse acirramento não torna a Justiça mais viva e
conectada à realidade -e sim mais injusta, descolada do interesse
público.
Voltando
a Curitiba, até aqui Lula vai vencendo o duelo antecipado. Moro poderá
enquadrá-lo, dando ares de normalidade ao encontro desta quarta. Ou
ceder de vez e ajudar a produzir mais uma peça de propaganda eleitoral
que, caso Lula não esteja impedido legalmente de concorrer, veremos na
TV no ano que vem.