A opinião pública quer saber o que era o 'fato gravíssimo' apresentado por Janot
Jânio de Freitas – Folha de S.Paulo
Pródigo em originalidades embaraçosas para o alto Judiciário e o Ministério Público, Joesley Batista ainda
não esgotou o seu estoque. Se bem que, no caso em questão, não se saiba
que papel teve. Nem mesmo se teve, apesar de preso há perto de cinco
meses por causa desse incerto papel. Prisões do tipo, é verdade,
deixaram de ser anormais. Mas a de Joesley se inclui, como lhe é
próprio, em um enredo original.
Em gozo da imunidade recebida
de Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, pelas revelações
da corrupção autenticada até pela voz comprometida de Michel Temer,
Joesley foi acusado de um novo crime. Janot em pessoa divulgou o que
definiu como "fato gravíssimo": a descoberta de uma gravação em que o
empresário trocava com um diretor de sua "holding" J&F, Ricardo
Saud, citações a condutas ilícitas e imorais de ministros do Supremo
Tribunal Federal. Inclusive a presidente Cármen Lúcia, que, indignada,
providenciou um inquérito.
Era setembro do ano passado, e Joesley e Saud foram presos.
O incumbido de investigar a tal gravação (não os ministros) foi o
delegado Cleyber Lopes, há pouco em evidência pela inexplicada troca do
encarregado, que passou a ser ele, de investigações do interesse de
Michel Temer: os antecedentes de um decreto de 2017 em beneficio de uma
operadora nas Docas de Santos, a Rodrimar. O Rocha Loures da mala com os
R$ 500 mil temerários está nessa também.
Com
dois a três meses de investigações e depoimentos, a Polícia Federal
chegou à conclusão mais imprevista. A gravação citada pelo então
procurador-geral, com a precisão de nomes dos interlocutores e de
ministros, não existe. Nada e nenhum depoente indicou que houvesse
existido.
Na
altura em que Joesley e Saud foram acusados e presos, Rodrigo Janot
estava assoberbado com as críticas, também no Supremo, à anistia plena
que concedera em retribuição às delações e à gravação de Temer pelo
empresário. As tentativas de justificar o "prêmio" tornaram mais
gritante a concessão. No Judiciário não faltava quem estudasse a maneira
de revertê-la.
O
silêncio que desde dezembro encobre a conclusão da Polícia Federal é
também de Janot. Não se conhece indício de irregularidade sua na origem
do "fato gravíssimo", nem o contrário. Sua informação de que prepara um
livro, sobre seus anos como procurador-geral, é interessante, mas não
suficiente. A opinião pública tem o direito de saber o que houve, o que
era aquilo lhe foi servido como "fato gravíssimo". E há duas pessoas
presas -por que, se a gravação não existe?
O que era "gravíssimo" pode não ter sido. Mas agora é.