Pressa para condenar Lula é desespero para tentar livrar a cara da Lava Jato
Reinaldo Azevedo – Folha de S.Paulo
Os dias em curso são de tal sorte insólitos que a simples marcação da data
do julgamento de um recurso se torna o fato mais importante da corrida
eleitoral. Refiro-me, é evidente, ao dia 24 de janeiro, quando o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região julga apelo da defesa de Lula
contra a condenação a nove anos e meio de cadeia que o juiz Sergio Moro impôs ao petista no ruidoso caso do tríplex de Guarujá.
Curiosamente,
ao percorrer caminhos heterodoxos na condução da investigação e do
julgamento —refiro-me ao conjunto da obra, não apenas aos casos
relacionados ao ex-presidente—, as forças associadas à Lava Jato
acabaram criando uma armadilha contra a própria operação.
O risco é o povo desmoralizar nas urnas as urdiduras tramadas nos corredores do MPF e da Justiça.
Por
que é assim? Porque a agressão ao Estado de Direito e ao devido
processo legal sempre cobra o seu preço. Tenta-se remendar o malfeito
com novas agressões, numa espiral sem fim para baixo. Não há explicação
razoável para que o caso de Lula tramite com uma celeridade inédita,
dados os padrões —atenção!— do próprio TRF-4. A pressa, nesse caso, tem
propósito; trata-se de decisão "ad hoc".
A
sentença condenatória de Moro será mantida ainda que sem provas.
Atenção! Se elas existirem, não estão nos autos. E é o que interessa ao
Estado de Direito. O que evidencia que assim será? Os meros cem dias
consumidos por João Pedro Gebran Neto, relator do caso no TRF-4, para dar o seu veredito.
O
tempo médio de 23 de suas decisões relativas ao petrolão é de 275,9
dias. Em 12 das 23, ele levou mais do que isso. A maior demora é de 469.
A celeridade do revisor, Leandro Paulsen, é ainda mais eloquente. Meros
11 dias para anunciar que seu trabalho estava pronto.
Parcos
54 dias distanciarão o 24 de janeiro da manhã em que o relatório de
Gebran chegou à sua mesa. Para rever o caso de Fernando Baiano, ele
consumiu 240 dias. Foi 20 vezes mais rápido com Lula Pernambucano...
Nessa velocidade, só se pode dizer "sim" ao que já se fez, certo?
É
forçoso reconhecer que MPF e Justiça estão sob a administração de uma
espécie de "ente de razão" voltado não ao esclarecimento do mundo, mas à
satisfação das fantasias de seus "ativistas", mais ocupados em ser
exemplares do que em ser justos. Esse é o ninho que dá origem aos
fascismos de esquerda e de direita. E tenho uma alma profundamente
antifascista —daí derivam, note-se, meu antipetismo e meu asco à direita
xucra que se diz liberal.
A
Lava Jato e os valores —ou antivalores— que insuflou provocaram tal
estrago no processo político que a consequência foi a ressurreição de
Lula e do PT, forças que, ora vejam!, por maus motivos, nunca se
ajoelharam em seu altar. Note-se à margem: o PSDB, que foi à televisão
fazer um patético "mea culpa", esmerando-se na genuflexão autopunitiva,
transformou-se na Geni do eleitorado e da imprensa...
O
que quer que tenha sido isso a que se chamou "petrolão" teve como
protagonista o PT, de que Lula, por óbvio, é a figura emblemática.
Ocorre que, tudo o mais constante, dada a razia produzida por Rodrigo
Janot, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, entre outros menos importantes ou
mais feiosos, seria o petista o ungido pelo povo para conduzir a nossa
melancolia, de sorte que a Lava Jato seria o caminho mais longo, mais
caro e mais traumático entre o PT e o PT.
A
condenação precoce de Lula em segunda instância é uma tentativa
desesperada e, mais uma vez, heterodoxa de impedir a completa
desmoralização da operação que começou caçando ladrões e terminou
caçando prerrogativas garantidas pelo Estado de Direito.
O
futuro imediato: Lula será condenado pelo TRF-4, não poderá se
candidatar, deverá pôr um ungido seu no segundo turno e, aposto!, não
será preso porque é grande a chance de o STF, até lá, decidir cumprir o que está no inciso 57 do artigo 5º da Constituição, do qual nunca deveria ter se divorciado, diga-se.
Condenado,
inelegível e solto. Se você é antipetista, considere que poderia ser
pior: condenado, inelegível e preso. "Pior por quê?". Quem faz tal
pergunta, a esta altura, não merece uma resposta.