Empresa
de coronel aposentado da PM foi subcontratada para trabalho em Angra 3
que está sendo investigado pela Lava Jato; firma é responsável por um
acordo de R$ 162 mi
Folha de S. Paulo -
Rubens Valente e Reynaldo Turollo JR.
da Junta Comercial de São Paulo mostram a vinculação do coronel aposentado da PM paulista João Baptista Lima Filho,
ligado ao presidente Michel Temer, a um contrato de R$ 162 milhões,
investigado pela Lava Jato, sem disputar a licitação que foi vencida por
outra empresa, sediada na Suécia.
O
contrato foi assinado em maio de 2012 entre a AF Consult, sediada em
Estocolmo e com um braço na Finlândia, que venceu uma concorrência
internacional, e a Eletronuclear, empresa de economia mista controlada
pela União, para elaboração de projetos eletromecânicos na usina nuclear
de Angra 3, no Rio.
Do
total contratado, R$ 55 milhões já foram pagos. Porém, sob suspeita de
irregularidades levantadas por técnicos do TCU (Tribunal de Contas da
União), o contrato está paralisado desde agosto.
A
Lava Jato incluiu esse contrato em um pacote de oito no qual, segundo
denúncia do Ministério Público Federal, houve pagamentos de propina ao
ex-presidente da Eletronuclear almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva,
78. Ele foi preso em julho de 2015 e condenado a 43 anos de prisão pela
Justiça Federal do Rio.
A
empresa do coronel, a Argeplan Arquitetura, que foi alvo de busca e
apreensão na Operação Patmos, deflagrada em 18 de maio, não aparece como
contratada da Eletronuclear nos registros oficiais. A Eletrobras, da
qual a Eletronuclear é subsidiária, informou à Folha que a Argeplan não é
fornecedora da estatal no contrato sob suspeita.
"A
Eletronuclear desconhece associações entre a AF Consult e a mencionada
Argeplan em contratos envolvendo a Eletronuclear", afirmou a Eletrobras,
em nota.
Os
documentos da Junta Comercial, porém, revelam outra história. A empresa
do coronel criou uma outra firma, a AF Consult do Brasil, que foi
subcontratada pela AF Consult da Finlândia para a execução do contrato
de Angra 3. A multinacional cumpriu uma cláusula do edital internacional
que obrigava que 80% do pacote fosse terceirizado para empresas no
Brasil.
A
AF Consult do Brasil tem dois sócios: o braço suíço da própria AF
Consult e a Argeplan, da qual o coronel é sócio formal desde 2011. A AF
Consult do Brasil tem como administrador Carlos Alberto Costa Filho,
filho do sócio do coronel Lima na Argeplan.
Os
elos entre as duas empresas também aparecem na própria página da
multinacional AF Consult na internet. O endereço da empresa no Brasil,
segundo o site, é uma casa na rua Juatuba, na Vila Madalena, em São
Paulo, bem ao lado da sede da Argeplan.
Na
Junta Comercial, a sede da AF Consult do Brasil é em outro endereço, na
sala 61 de um edifício de escritórios em São Bernardo do Campo (Grande
SP).
Conforme o registro na Junta, a empresa saiu da vizinhança da Argeplan em setembro de 2014.
DELAÇÃO
A
Lava Jato investigou oito contratos para a construção de Angra 3. Um
desses era o assinado com a AF Consult. A Folha teve acesso ao
documento. Ele é assinado por Othon e por outro funcionário da
Eletronuclear que também foi acusado de corrupção.
Após
a prisão de Othon, equipes de inspeção do TCU identificaram
irregularidades na execução do contrato, como "exigências técnicas
excessivamente restritivas" no edital, "pactuação de aditivo
insuficientemente motivado", que subiu o valor da obra, e vários
"indícios de descompasso físico-financeiro e de falhas na fiscalização".
Em
outubro, o ministro do TCU Bruno Dantas determinou em caráter liminar
"a retenção em quantia suficiente para garantir os montantes apurados"
no processo.
De
2007 a 2015, segundo o Ministério Público Federal, o almirante, por 27
vezes, "solicitou, aceitou a promessa e recebeu vantagem indevida" de
diversos empreiteiros, incluindo o dono da Engevix, José Antunes
Sobrinho.
A
Engevix, ao lado da Argeplan, também foi subcontratada pela AF Consult
em Angra 3. Em abril de 2016, a revista "Época" informou que Sobrinho
negociava acordo de delação com o Ministério Público. Entre outros
pontos, ele disse que o coronel Lima fora o responsável pela indicação
de Othon "junto a Michel Temer" para a presidência da Eletronuclear.
Disse
ainda que foi "cobrado" por Lima a pagar R$ 1 milhão para a campanha de
Temer em 2014 e que tal depósito foi feito por meio de "uma fornecedora
da Engevix".
Ouvido
pela revista, Temer negou ter pedido a contribuição. A delação de
Sobrinho acabou rejeitada pela Procuradoria Geral da República.
OUTRO LADO
Procurado pela Folha ao longo dos últimos dias, o coronel da PM João Baptista Lima Filho não respondeu a um pedido de informações.
A
empresa Argeplan, também procurada por e-mail, não havia se manifestado
até a conclusão desta edição. Indicado na página da empresa na internet
como representante no Brasil da sueca AF Consult, Carlos Alberto Costa
Filho não atendeu aos chamados em celular.
O
homem apontado como procurador da AF Consult do Brasil, Roberto
Liesegang, também não deu retorno a um pedido de contato. Foi deixado
recado com uma pessoa que disse ser de sua família.
Duas
funcionárias da AF Consult na Suécia responsáveis por contatos com a
imprensa foram procuradas por e-mail, mas não responderam.
A reportagem da Folha
esteve na segunda-feira (19) no prédio onde funciona o escritório da AF
Consult do Brasil, em São Bernardo do Campo (SP), mas não foi
autorizada a ir à sala da empresa.
A
Eletrobras, da qual a Eletronuclear é subsidiária, afirmou em nota que a
empresa de energia nuclear "nunca firmou contrato diretamente com a AF
Consult do Brasil".
"No
entanto essa empresa foi subcontratada pela AF Consult Ltd. para
realizar serviços administrativos como parte do pacote eletromecânico 1
de Angra 3. Esta subcontratação estava prevista no edital da licitação,
sendo a indicação das subcontratadas responsabilidade da empresa
vencedora", afirmou.
"A
Eletronuclear desconhece associações entre a AF Consult e a mencionada
Argeplan em contratos envolvendo a Eletronuclear. A execução deste
contrato está suspensa desde 9 de agosto de 2016, com cerca de 77% de
progresso nas atividades de projeto e tendo sido pago o total de R$ 55,2
milhões, relativos aos serviços executados", disse a Eletrobras, em
nota.
O advogado de José Antunes Sobrinho, procurado, não deu retorno a um pedido de informação.
COLABOROU FELIPE BÄCHTOLD