A intervenção light de Temer alivia seus correligionários e protege a máquina
Elio Gaspari – Folha de S.Paulo
A ideia da intervenção do governo federal na
segurança do Rio veio tarde e é curta. O governador Luiz Fernando Pezão
precisa ir embora. Não tem saúde, passado nem futuro para permanecer no
cargo num Estado falido, capturado por uma organização criminosa cujos
chefes estão na cadeia. Como? Ele desce do gabinete, entra no carro e
vai para casa.
Na
quinta-feira, quando esteve no Planalto, Pezão disse a Temer que a
situação da segurança pública do Rio saíra do seu controle. Ao deputado
Rodrigo Maia, mencionou a "calamidade" e acrescentou: "Não podemos adiar
nem mais um dia". Há duas semanas o mesmo Pezão se orgulhava da
qualidade e da eficiência de suas polícias, reclamando do que seria uma
"cobertura cruel".
Desorientado
(há tempo), o governador construiu um caso clássico para demandar uma
intervenção ampla, geral e irrestrita no Rio. Nada a ver com o que se
armou no Planalto.
Sérgio
Cabral (patrono de Pezão) e Jorge Picciani ("capo" do MDB) não estão na
cadeia pelo que fizeram na segurança. Ambos comandaram a máquina
corrupta que arruinou as finanças, o sistema de ensino e a saúde pública
do Estado. A corrupção e a inépcia policial são apenas o pior aspecto
da ruína.
Colocar
um general como interventor no aparelho de segurança, sem mexer no
dragão das roubalheiras administrativas, tem tudo para ser um exercício
de enxugamento de gelo. Ou algo pior: o prosseguimento de uma rotina na
qual as forças policiais invadem bairros pobres e proclamam vitória
matando "suspeitos".
A
intervenção proposta por Temer coloca Pezão e seus amigos no mundo de
seus sonhos. Num passe de mágica, o problema do Rio sai do palácio
Guanabara (onde mora há décadas) e vai para o colo de um general. Esse
semi-interventor assumiria com poderes para combater o crime organizado.
O Planalto deve burilar a sua retórica, esclarecendo que não se
considera crime organizado aquilo que o juiz Marcelo Bretas vem
mostrando ao país.
Temer
conhece a Constituição e sempre soube que podia decretar a intervenção
federal no governo do Estado. A Constituição impede que se promulguem
emendas constitucionais havendo unidades sob intervenção, mas a reforma
da Previdência poderia ser votada na Câmara (se fosse) para ser
promulgada no dia da posse do governador, em janeiro de 2019.
Há
um cheiro de marquetagem na iniciativa: a reforma seria congelada por
causa da intervenção na segurança do Rio. Patranha. Ela encalhou por
falta de votos e a intervenção, podendo ser integral, será light. Temer,
que presidiu o MDB até ser substituído pelo notável Romero Jucá,
estancou a sangria, ajudou os correligionários que destruíram o Estado e
jogou a batata quente no colo de um general.
A
saída de Pezão permitiria o desmantelamento do esquema de poder do MDB
antes da eleição de outubro. Sérgio Cabral e Picciani, "capos" dessa
máquina, estão trancados, mas ela está viva. Leonardo, filho de
Picciani, é o ministro do Esporte de Temer, cujo governo tem um
ex-ministro na cadeia (Geddel Vieira Lima) e outro em prisão domiciliar
(Henrique Alves). Todos do MDB, como o ex-governador Moreira Franco,
conselheiro especial do presidente.
A
intervenção federal permitiria que o Estado do Rio passasse por uma
faxina. Até a posse do governador que será eleito em outubro, o
interventor poderia desmantelar a teia de ladroagens que arruinou o
Estado. Quem seria esse interventor? Para que a conversa possa
prosseguir, aqui vão dois nomes: Pedro Parente e Armínio Fraga. Os dois
estão bem de vida e odiariam a ideia, mas nasceram no Rio e sabem que
devem algo à terra. Parente administrou a crise de energia no governo de
Fernando Henrique Cardoso e está ressuscitando a Petrobras. Deem-lhe
uma caneta e alguns pares de algemas e ele ergue o Rio.
Esse
seria um cenário de emergência para uma situação de calamidade. Pode
parecer ideia de maluco, mas nem o maior dos doidos poderia imaginar que
em menos de cinco anos o Rio chegasse onde chegou.