Janio de Freitas - Folha de S.Paulo
Um
dos modismos da falta de ideias próprias, na imprensa e entre
"cientistas políticos", é a expressão "freios e contrapesos" (ou coisa
parecida), em referências a sábios recursos da democracia constitucional
contra riscos e sobressaltos. Importada dos EUA, como a "metralhadora
giratória", e a "rota de colisão", entre outras graçolas, a moda atual
recebeu de um deputado subalterno e do presidente ilegítimo o desafio de
provar que não é só uma bobagem oca para uso dos vazios.
Bonifácio
de Andrada agiu de acordo com o seu caráter. Relator, como
representante do PSDB, da segunda autorização pedida à Câmara para
processo criminal contra Michel Temer, o deputado propôs a recusa do processo.
Cabe à Comissão de Constituição e Justiça aprovar ou discordar do
relator e, depois, ao plenário compete a decisão. Na primeira denúncia
criminal a Temer pela Procuradoria-Geral da República, o relator Sergio
Zveiter defendeu a autorização para o processo, tese derrubada nas duas
instâncias seguintes. Graças à compra dos votos necessárias por Temer,
com uso das verbas de emendas parlamentares.
Michel
Temer faz há perto de dois meses a mais despudorada corrupção de
votantes na comissão e no plenário. Recursos indispensáveis e urgentes
para as pesquisas biomédicas, socorros à saúde, universidades, bolsas de
estudo, obras emergenciais, estão contidos para deixar reservas
destináveis às compras de Temer por apoio. As tais reformas e, mais
premente, alterações do Orçamento da União têm suas votações
prejudicadas na Câmara, para não provocar disputas na manada parlamentar
governista.
Gravações
feitas por Joesley Batista, mala e pacote de dinheiro recolhidos por
Rocha Loures e José Yunes, assessores e amigos de confiança de Temer,
são suficientes para deixar os não incautos convictos de que as
acusações têm procedência. Não seria dispensável, porém, a realização do
inquérito convencional cobrado pela Constituição. As evidências, por si
sós, não bastam para levar às consequências aplicáveis aos crimes.
O
ataque nas duas frentes dá como certa, no entanto, a recusa ao
processo, a não ser que o inesperado seja solidário à decência. Mas como
dizia ontem no Supremo o ministro Luís Roberto Barroso, em seu rico
voto pelo poder do Supremo de emitir medidas como as aplicadas a Aécio
Neves, muitos não queremos viver sob o domínio da corrupção tornada ato
corriqueiro e natural, dominante e aceito.
Negado
o processo, não é possível recurso ao Supremo. Mais simples: nenhuma
reação é possível no âmbito das leis, como se viu na recusa ao primeiro
pedido. Os freios de fato existentes detêm os cidadãos e os contrapesos
caem sobre suas cabeças. Para que se curvem ao poder corrupção. Que, no
fundo e no mais alto, continua impune. Torcer pelo acaso é patético. Mas
é todo o nosso poder.