Janio de Freitas – Folha de S.Paulo
A quantidade
de compras de apoio por Michel Temer, bem ilustrada na recepção a mais
de 50 deputados em apenas 12 horas da última terça-feira, suscita uma
questão importante por si mesma, não para o alheamento vigente no
Brasil: que legitimidade terá uma recusa da Câmara a processo criminal
contra Temer, se obtida por mais práticas inescrupulosas do denunciado?
A
relação de deputados recebidos por Temer naquele período, que a
repórter Letícia Fernandes cuidou de esmiuçar, não foi o começo nem o
fim dos negócios de apoio. Seu relevo não está só na quantidade, mas
também, ou sobretudo, na sem-cerimônia, na desfaçatez com que todo um
dia "presidencial" é dedicado a tal finalidade. No palácio de governo do
país em crise.
Na
imensidão das instituições desta louvada democracia não cabe nem
espanto com a ausência até da discrição comum às ordinarices. Como
espantar-se, então, com a continuidade das tramoias, enquanto dizem que o
país aderiu à moralidade? Da própria Presidência vem a constatação,
feita por outra repórter, Mariana Carneiro, de que em torno de Temer e
na Câmara beneficiam-se de uma medida provisória pessoas que também a
elaboraram. É aquela que concede maiores prazos e melhores condições,
sob o nome de Refis, a dívidas na Receita Federal.
Os
comprometimentos de Michel Temer e Aécio Neves não vêm de delações em
busca de liberdade. Ambos foram entregues pelas próprias vozes, gravados
em alguns dos seus momentos de autenticidade. Apesar disso, o
pressentimento de que as compras de votos vão se comprovar como bons
negócios, favorecendo Temer contra a segunda denúncia, precisam
consolar-se com a ideia de que o processo apenas aguardará o fim do
mandato. É a alternativa oferecida na legislação.
Mas
aí entra o truque de Temer. Sem mandato, seu caso vai para a Justiça
comum. Onde Temer nem precisará preocupar-se com ganhos sucessivos de
prazo: a velhice, já suficiente, valerá como imunidade.
Aécio
Neves , por sua vez, no papel de centro de um choque entre dois Poderes
é como um pedido, a todos os distraídos, de alguma atenção para a
decadência institucional. Aécio é só um desmascarado. E nem está ainda
investigado como devido, mas vários sinais de parte do que falta são
também conhecidos no Senado como no Supremo Tribunal Federal. E
conhecê-los seria bastante para dispensar os tantos dias e tiros verbais
a propósito do desmascarado.
Marcar só para o dia 11 a decisão
final sobre o afastamento de Aécio do Senado e, ainda, sobre seu
recolhimento domiciliar à noite, foi um erro do Supremo. Criou o
intervalo propício ao duvidoso brio senatorial e aos incentivos do
governo à defesa do seu aliado. Sempre contra o Supremo.
Sob a aparência de adiamento
da sua reação ao Judiciário, de ontem para o dia 17, na verdade o
Senado adiou o seu embaraço. Lá na frente, caso confirmado o imposto a
Aécio, os senadores ficarão outra vez entre engolir a confirmação ou
desrespeitar o Supremo.
Tudo
isso, com Temer, Aécio e velhos companheiros, no país onde eles sempre
disseram que "decisão da Justiça não se discute, cumpre-se".