terça-feira, 3 de outubro de 2017

Acusações de Cunha devem ser levadas em conta


Ex-deputado diz que Janot e Moro cometem abusos
Kennedy Alencar
Em primeiro lugar, o objetivo da entrevista do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha à revista “Época” é tentar ressuscitar as negociações com a Procuradoria Geral da República para que faça uma delação premiada.
Na entrevista publicada na última edição da revista, Cunha faz críticas ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Diz que Janot queria que ele fizesse uma delação premiada para ajudar a derrubar o presidente Michel Temer. O ex-presidente da Câmara também acusa Moro de organizar uma operação para destruir a elite política do país. O peemedebista questiona a forma como o juiz aplica a lei.
Cunha apresenta uma série de acusações contra Janot e se coloca à disposição para tentar reabrir a negociação com a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge. É uma entrevista que deve ser vista dentro desse contexto. Aliás, é legítimo que Cunha aja assim, se achar que a melhor estratégia de defesa é tentar novamente o caminho da colaboração, um instrumento legal.
Dito isso a entrevista é importante. Uma eventual delação de Cunha poderia ter interesse público, a depender do que realmente acrescente de novo às investigações _se disser a verdade. Pelo peso que ele teve na política brasileira, poderia valer a pena.
Cunha faz acusações graves contra a equipe do ex-procurador-geral da República. Aponta um indevido direcionamento da colaboração premiada com o objetivo de derrubar um presidente da República. Afirma que Moro age politicamente e que desconsidera o direito para atingir seus objetivos, a fim de condená-lo e também o ex-presidente Lula.
Ora, delações são relatos feitos por criminosos confessos que podem ajudar a elucidar delitos. Se a palavra de um delator vale contra um político, é óbvio que ela também tem de ser investigada se apontar abusos no uso da colaboração.
O caso JBS já mostrou fatos que levam a crer num uso indevido da delação. Novos áudios revelados na sexta pela revista “Veja” trouxeram mais sinais de trama política na negociação do empresário Joesley Batista e executivos da JBS. Atitudes de Moro, como divulgar um grampo ilegal de uma conversa entre Dilma e Lula e adotar postura de acusador ao tutelar perguntas do Ministério Público aos depoentes, não podem e não devem ser vistas como naturais.
A Lava Jato não pode se transformar numa instituição acima das outras, que não possa ser questionada, ou num escudo para que objetivos políticos sejam alcançados por supostos justiceiros. Logo, é preciso cautela, sim, com o que diz Eduardo Cunha. Afinal, a Lava Jato tem cumprido um papel importante no combate à corrupção.
Mas as acusações feitas por Cunha merecem ser investigadas e suas críticas levadas em conta para que a busca da Justiça não sirva a abusos e desvios no Estado democrático de direito. Se uma pessoa hoje aplaude um abuso contra um inimigo, seja ele Cunha, Temer ou Lula, amanhã a vítima poderá ser ela.