Foto: Max Haack/ Ag. Haack/ Bahia Notícias
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) retomou nesta quarta-feira (11) o julgamento se recebe uma denúncia contra o deputado estadual Roberto Carlos (PDT) para que responda a uma ação penal. Apesar de ser público que o deputado foi investigado em uma operação da Polícia Federal – a Detalhes, por manter funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), ainda não estavam claros os motivos que deram início a investigação. A operação foi deflagrada em abril de 2012, com mandados de busca e apreensão na AL-BA, em Juazeiro, Uauá e Petrolina. A denúncia foi baseada em um Relatório de Inteligência Financeira do Conselho de Controle de Atividade Fiscal (Coaf). O relatório aponta que o deputado usava servidores “laranjas” e que os rendimentos do parlamentar, em grande parte, eram repasses que permitiram o aumento do patrimônio, “de forma incompatível com sua própria renda”. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), durante a investigação, foi registrado depósitos em dinheiro que totalizam R$ 203,5 mil. Os servidores recebiam, entre R$ 3 mil a R$ 8 il. O valor não foi declarado à Receita Federal e se caracterizou como crime tributário, desvio de verba pública e crime de peculato – quando um agente público se apropria de um dinheiro, valor ou bem em razão do cargo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio. Neste último caso, o crime foi caracterizado pelo fato do deputado usar recursos que deveriam ser pagas aos servidores da Assembleia.
O relatório do Coaf foi realizado a partir de movimentações atípicas nas contas do deputado e de mais 11 investigados. A partir do relatório, foi dado início a operação na Polícia Federal, com quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico. O MPF, que inicialmente fez uma denúncia contra o deputado na esfera federal, constatou que as contas bancárias de servidores eram controladas pelo deputado e por sua esposa, sendo verdadeiras “contas de passagem”, para benefício próprio. Alguns servidores da AL-BA deram depoimentos como testemunhas do caso. Um dos servidores comprovou que não sabia das movimentações financeiras em sua conta corrente, e disse não conhecer diversas pessoas que efetuaram os depósitos. Os servidores confirmaram que o deputado os nomeava, mas não tinham poder sobre suas contas, não recebiam salários referentes aos cargos para o qual haviam sido nomeados. Até a sogra do deputado testemunhou, afirmando que não sabia que seu nome constava como funcionária da Assembleia. Para o MPF, os relatos comprovam o crime de peculato, já que os cargos a disposição do gabinete do denunciado eram utilizados para nomeação de “laranjas”, os quais teriam suas remunerações desviadas em proveito de Roberto Carlos. Um extrato bancário revela que a filha do deputado foi beneficiada com transferências, comprovando que Roberto Carlos usava contas de parentes para evitar uma investigação contra si. O deputado contava com a ajuda de seis pessoas para realizar o esquema. Tal fato foi caracterizado pelo Ministério Público como formação de “associação criminosa” para cometer o crime de peculato. A associação era composta pela esposa de Roberto Carlos, pelo filho, pelo irmão e por três servidores. Para movimentar as contas, eram usadas procurações. Os desvios ocorreram entre os anos de 2008 e 2010. Alguns nomeados nunca trabalharam na Assembleia. Um declarante afirmou que nem sabia onde era localizada sede da AL-BA.
Prescrição: O crime contra a ordem tributária prescreveu. A tipificação é prevista no artigo 2º, I, da Lei de Crimes Contra Ordem Tributária (Lei 8137/1990). O artigo estabelece como crime “fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”. A pena máxima do delito é de dois anos, prescrevendo em quatro. A defesa teria declarado que não se pode esperar que o agente que pratique o crime de peculato declare o bem ao Imposto de Renda, por ser ilegal. E se declarasse, indicando outra fonte de renda, praticaria assim, lavagem de dinheiro. O Ministério Público Federal reconheceu a prescrição e pediu a remessa dos autos para Justiça Estadual, pois os crimes do caso, de peculato e associação criminosa, não são de competência federal. A Justiça Federal decretou a extinção do crime tributário, mas rejeitou a remessa dos autos à Receita Federal. A Justiça Federal determinou a remessa dos autos e da quebra de sigilo ao TJ-BA. A Procuradoria-Geral de Justiça da Bahia ratificou a denúncia do MPF. O caso tramita no TJ-BA sob a relatoria do desembargador Júlio Travessa, que determinou o desmembramento do processo, mantendo o julgamento na Corte apenas do deputado e dos demais acusados na Justiça de 1º Grau, por conta do foro privilegiado. O filho de Roberto Carlos havia pedido para ser julgado junto com o pai, no TJ-BA.
Julgamento pela admissão: O caso tramita em sigilo de Justiça. O relator votou pelo recebimento da denúncia para dar início a ação penal, onde poderão ser observados maiores elementos e provas das acusações do deputado. O voto do relator foi proferido em setembro de 2017, em uma sessão fechada. Porém, na sessão realizada nesta quarta-feira (11), o voto vista do desembargador Maurício Kertzman foi público. O desembargador abriu o voto divergente e rejeitou a denúncia. O argumento foi de que a prova, baseada em quebra de sigilo bancário e fiscal, é ilícita, e ainda invocou a Teoria do Fruto da Árvore Envenenada. O relator rebateu a declaração e afirmou que as provas são lícitas. “As transferências bancárias são claras para demonstrar que as contas dos servidores eram usadas como contas de passagem”, reforçou Travessa, complementando que “existe vasto lastro probatório mínimo” sobre a conduta do deputado. Segundo Kertzman, a defesa do deputado alega que a movimentação é “reembolso de atividades parlamentares” e que o vício da prova vem do “nascedouro da ação”. “Ao meu ver, tanto uma quebra de sigilo bancário, como uma prisão, como uma condução coercitiva, não prova em nada os fatos”, declarou o autor do voto divergente. Kertzman ainda questionou a motivação da quebra de dados e perguntou por que o mesmo não acontece com outros parlamentares da AL-BA. O desembargador Mário Albiani Jr. questionou se qualquer movimentação atípica vista pelo Coaf gera fundamento para uma quebra de sigilo bancário e considerou a prova ilícita. Albiani também considerou que no caso deve ser aplicada a Teoria do Fruto da Árvore Envenenada. Para Travessa, tal teoria não se aplica ao caso. Reforçou que movimentações atípicas nem sempre darão origens a uma investigação. Sobre a quebra de sigilo, Travessa questionou Albiani quais medidas ele adotaria caso fosse uma autoridade policial, e se não adotaria uma medida menos drástica e eficiente. Albiani reiterou que a medida é drástica e viola a Constituição. A desembargadora Ivete Caldas votou com o relator diante da prática, que era habitual no gabinete do deputado. O desembargador Jefferson Alves pediu vista dos autos.
Teoria do Fruto da Arvore Envenenada: É uma teoria do devido processo legal que diz que, uma vez que uma prova seja ilícita, ela contamina todas as demais provas que sejam decorrentes dela. Tal fato não quer dizer que a pessoa será absolvida do crime, mas diz que a acusação não poderá usar aquela prova. Ela precisa provar o crime de outra forma. Essa teoria é utilizada em diversas áreas do direito. Se a prova puder ser obtida por outras formas, ela pode ser declarada lícita. (Fonte: Bahia Noticias)