Da Folha de S. Paulo
José Marques, Renan Marra e Ana Luiza Albuquerque
Qual
a semelhança entre o processo que acusa o ex-presidente Lula de
corrupção e lavagem de dinheiro pelo tríplex em Guarujá (SP) e o que
julgou um homem conhecido como "Sid Barbeiro" por recebimento irregular
de seguro para pescadores?
A
resposta: ambos devem ter um período de tramitação similar no TRF-4
(Tribunal Regional Federal da 4ª Região) até o julgamento. A previsão
para o caso de Lula, que ainda não foi decidido, é de 154 dias. Já Sid
Barbeiro foi julgado e absolvido em 146 dias.
A
diferença é que, ao contrário do pescador, que respondia por
estelionato, as ações pelos crimes imputados ao ex-presidente não
costumam ser decididas em período tão rápido na corte.
Levantamento feito pela Folha
aponta que, em 2017, apenas dois processos públicos por corrupção foram
decididos em menos de 150 dias no TRF-4. No caso de lavagem de
dinheiro, nenhum de mérito foi julgado –foi apenas decidido em um caso
que a competência para decisão é da Justiça Federal do Rio Grande do
Sul.
A
velocidade da tramitação levantou questionamentos da defesa de Lula e,
no último dia 15, o presidente da corte, juiz federal Carlos Eduardo
Thompson Flores, rebateu as indagações. Ele juntou uma lista de 1.326 ações julgadas em até 150 dias no tribunal em 2017 –48,9% do total das decisões criminais.
"Verifica-se
que a celeridade no processamento dos recursos criminais neste Tribunal
Regional Federal constitui a regra e não a exceção", disse no
documento.
Contudo,
entre os 1.263 processos públicos (63 estão em segredo de Justiça)
relacionados por Flores, apenas os dois por corrupção –menos de 0,2%–
tratam dos mesmos crimes da ação contra o petista, que ainda tem réus
como o ex-líder da OAS Léo Pinheiro e o presidente do Instituto Lula,
Paulo Okamotto.
O julgamento está marcado para 24 de janeiro e pode não se encerrar nessa data, porque um dos três juízes da turma julgadora pode, por exemplo, pedir vista para ter mais tempo de analisar o caso.
No
geral, uma minoria de crimes de colarinho branco e desvios são julgados
no TRF-4 com a rapidez do processo de Lula. Da lista de Flores, apenas
11 tratam de peculato (desvios cometidos por servidores). Ainda assim, a
maioria diz respeito a pequenos furtos em órgãos federais –por exemplo,
um funcionário dos Correios acusado de se apropriar de dez telescópios.
Há, também, dois processos por fraudes a licitações em cidades do interior.
Outros
processos dizem respeito a ações da Polícia Federal de combate a
lavagem de dinheiro e corrupção –mas foram julgados pedidos de
desbloqueios e restituição de bens, e não as acusações contra os réus.
Não
há ações de mérito, por exemplo, sobre questões da Lava Jato. Da
operação, só foi analisado um processo de desbloqueio de bens de um
ex-gerente da Petrobras.
Também foi julgado pedido de prescrição do crime de um réu do caso Banestado, precursor da Lava Jato.
Quase
metade (49,1%) dos processos julgados é relacionado a crimes de
contrabando e descaminho (mercadoria que entra no país sem pagar
tributos). Na maior parte, sobre motoristas flagrados com produtos
irregulares nas estradas –muitas vezes são pacotes de cigarros.
DIFERENCIADO
Apesar
da tramitação rápida, o recurso de Lula não é o mais célere da Lava
Jato no TRF-4. Em 2015, a apelação do ex-diretor da Petrobras Nestor
Cerveró foi analisada em 138 dias.
Este ano, o processo mais rápido é o que diminuiu a pena do ex-deputado Eduardo Cunha. Correu em 173 dias.
Lula
foi condenado na primeira instância, pelo juiz Sergio Moro, a nove anos
e seis meses de prisão em julho e o recurso chegou em 42 dias no TRF-4,
recorde na Lava Jato.
A
defesa de Lula diz que o recurso "tramitou com velocidade
diferenciada". "Esse fato, associado a declarações anteriores do
presidente do TRF-4 sobre o mérito do recurso de Lula, sugerem que o
ex-presidente não está tendo direito a um julgamento independente", diz o
advogado Cristiano Zanin Martins.
"O processo do tríplex começou com 16 mil páginas e hoje tem cerca de 250 mil."
Lula
foi acusado de receber um tríplex reformado da OAS como propina. Ele
nega. Se condenado em segunda instância, pode ter que cumprir pena e
ainda ficar inelegível.
'FATO COMUM'
Na
resposta às solicitações da defesa de Lula sobre tramitações dos
processos no TRF-4, o presidente da corte, Thompson Flores, diz que,
além da celeridade ser "fato comum" à corte, o próprio Código de
Processo Civil afirma que julgar processos em ordem de distribuição não é
regra absoluta.
Flores
aponta ainda que o Conselho da Justiça Federal, em inspeção feita entre
maio e junho no tribunal, apontou que o relator dos processos criminais
da Lava Jato, João Pedro Gebran Neto, tem julgado devidamente "tanto os
processos antigos quanto os mais recentes".
Segundo
ele, a especialização dos servidores do gabinete de Gebran no tema
também auxiliou na celeridade dos recursos da operação.
Procurado, Thompson não voltou a comentar o assunto.
O
relatório diz que, a partir de 2016, houve um aumento de distribuição
de processos ao tribunal, mas "sem prejudicar a produtividade da unidade
jurisdicional" e se tem cumprido as metas do Conselho Nacional de
Justiça.
Anteriormente, o juiz Leandro Paulsen, presidente da turma que julga os processos da Lava Jato, também havia dito em nota à Folha que julgamentos precedentes da operação contribuíram para acelerar as ações.
"Embora
cada processo tenha a sua particularidade, muitas questões já contam
com precedentes, e isso tem facilitado gradualmente os julgamentos,
tornando-os menos trabalhosos, o que permite que sejam aprontados mais
rapidamente", afirmou. "Não tem nenhum caráter político."