Palavras devem ser vistas com cautela, mas são graves
Blog do Kennedy
O advogado Rodrigo Tacla Durán, que trabalhou para a Odebrecht e a UTC, deu um depoimento ontem à CPI da JBS por teleconferência. Tacla Durán chegou a negociar acordo de delação premiada com a Lava Jato, mas desistiu e fugiu para a Espanha, onde está foragido. Ele é acusado pela Lava Jato de ser doleiro, o que ele nega.
Na CPI, fez acusações graves. Por exemplo: disse que extratos falsos foram usados contra o presidente Michel Temer numa denúncia apresentada por Rodrigo Janot, que foi procurador-geral da República.
As acusações de Tacla Durán devem ser vistas com cautela. Ele fugiu do Brasil e usa a cidadania espanhola para se proteger das acusações. Esteve envolvido em operações de pagamento de propina da Odebrecht e da UTC, segundo investigação da Lava Jato. Logo, não se pode comprar pelo valor de face o que ele diz.
No entanto, Tacla Durán apresentou documentos à CPI, deu a sua versão e fez acusações. A gravidade dessas acusações demanda uma resposta da Lava Jato, tanto da força-tarefa em Curitiba quanto da Procuradoria Geral da República.
No caso dos extratos de supostos pagamentos de propina da Odebrecht, Tacla Durán afirmou que houve manipulação e adulteração do sistema Drousys. Esse era o sistema de informática usado pela Odebrecht para controle financeiro de suposta propina. Segundo Tacla Durán, ele apresentou outros extratos que mostrariam falsidade dos utilizados por Janot, porque esse sistema teria sido fraudado antes, durante e depois de ter sido bloqueado por autoridades suíças.
É necessário averiguar a consistência dos documentos apresentados ontem por Tacla Durán à CPI da JBS. Isso é importante para evitar comprometer o resultado de alguns inquéritos, denúncias e processos da Lava Jato.
O advogado também fez uma acusação contundente contra o ex-procurador da República Marcelo Miller. Tacla Durán disse que, enquanto tentou negociar um acordo de colaboração premiada, ouviu de Miller pedido para ele gravar uma reunião de advogados da Odebrecht.
Tacla Durán afirmou que o procurador Sérgio Bruno se opôs à gravação, mas pediu para que ele participasse da reunião e contasse posteriormente o que havia sido discutido. Gravar reunião de advogados é uma afronta ao direito de defesa. Infiltrar um possível delator numa reunião de advogados demandaria uma suspeita gravíssima de crime.
O sigilo da relação entre cliente e advogado é protegido pela Constituição. Isso não é proteção para bandidos. É proteção para todos os cidadãos contra eventuais abusos do Estado.
Outra acusação grave diz respeito ao advogado Carlos Zucoloto Junior, de Curitiba. Tacla Durán apresentou fotografias de uma conversa por aplicativo de celular que mostraria o advogado oferecendo uma melhora do possível acordo de delação, com abrandamento de pena e multa. O pagamento teria de ser feito “por fora”.
Em agosto, quando a “Folha de S.Paulo” publicou essa informação, o juiz Sérgio Moro saiu em defesa de Zucoloto, de quem é amigo. Moro disse o seguinte: “Lamentável que a palavra de um acusado foragido da Justiça brasileira seja utilizada para levantar suspeitas infundadas sobre o funcionamento da Justiça”.
O alerta de Moro é importante, mas deve ser levado em conta que a Lava Jato ganhou força a partir dos relatos de um então foragido da Justiça que foi preso pela Polícia Federal, o doleiro Alberto Youssef.
Logo, ser criminoso não significa necessariamente que Tacla Durán esteja mentindo. Há interesse público nessas acusações. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e os integrantes da Lava Jato deveriam ser os principais interessados em apurar uma suposta tentativa de manipulação de um acordo de delação premiada bem como outras acusações apresentadas ontem na CPI.