Folha de S.Paulo – EDITORIAL
Todo
réu num processo judicial possui, naturalmente, o direito de se dizer
inocente. Há muita diferença, todavia, entre a atitude de quem se
defende com firmeza de uma acusação e a tentativa de afrontar
abertamente as instituições de um Estado democrático.
Confiando
nos seus ainda elevados índices de popularidade, o ex-presidente Lula
parece apostar na segunda alternativa. Conforme se aproxima a data de
seu julgamento em segunda instância, o líder petista vai multiplicando
declarações no sentido de deslegitimar, desde já, a eventual sentença
que venha a receber.
"A minha condenação será a negação da Justiça", disse,
em recente entrevista coletiva. "A Justiça vai ter que fazer um esforço
monumental para transformar uma mentira em verdade e julgar uma pessoa
que não cometeu crime."
Tinha
ido além, meses atrás, ao afirmar sobre seus julgadores que, se não o
prendessem, "quem sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que
eles contam".
A sentença do juiz Sergio Moro, que o condenou em primeira instância
por receber favorecimentos do dono da OAS, "é quase uma piada",
acrescenta agora o ex-presidente —que apesar das evidências em contrário
insiste na tese de que o famoso tríplex em Guarujá não se destinava ao
desfrute dele próprio e de sua família.
Há,
por certo, casos de corrupção envolvendo valores muito mais vultosos
que o daquele apartamento de veraneio —sendo plausível, até, a
argumentação de Lula quanto ao seu desinteresse pessoal pelo imóvel, a
seu ver modesto.
Não
faltam provas, entretanto, quanto às reformas feitas sob medida no
apartamento. Deram-se visitas ao local, não com a presença de um
corretor qualquer da região, mas sim do próprio dono de uma das maiores
empreiteiras do país.
Ainda
que nesse caso possam debater-se interpretações diversas entre
promotoria e defesa, cabendo exatamente por isso uma nova análise em
instância superior, não se trata de "piada" a condenação, longa e
minuciosamente fundamentada, que foi imposta a Lula em Curitiba.
Exacerbando
o tom de seu discurso, o ex-presidente procura sobretudo insuflar a
militância a não aceitar a eventual confirmação, pelo Tribunal Regional Federal, da sentença de culpa.
Constrói-se,
ademais, a hipótese preventiva de que Lula seria necessariamente eleito
em 2018: processos judiciais se transformariam, nessa versão, em
conspirações contra a grande revanche petista.
O
cacique petista se põe acima da lei; no desespero, aposta no descrédito
da Justiça e da própria legitimidade do processo eleitoral.