Uma
das razões que levaram o presidente José Sarney a exibir ao longo da
sua vida adulta seu famoso bigode é uma alergia que vez por outra o
acomete e irrita a região abaixo do nariz. O bigode ajuda a esconder a
vermelhidão. No caso do presidente Michel Temer, o bigode de Sarney
parece provocar uma reação contrária: algo como uma profunda alergia à
possibilidade de nascimento de bigode semelhante.
No
caso, trata-se de uma penugem virtual. Provocada pelo risco de Temer se
ver em situação semelhante à de Sarney ao final do seu mandato. Em
1989, quando houve a primeira eleição presidencial após a
redemocratização do país, Sarney encontrava-se com uma popularidade
baixíssima, às voltas com uma inflação que ultrapassava os mil por cento
ao ano. O resultado é que em 1989 todos os candidatos à Presidência
fugiram de ter alguma relação com o governo como o diabo foge da cruz.
Sarney não tinha um nome seu na disputa da sua sucessão. Mesmo Ulysses
Guimarães, que era o candidato do seu partido, o PMDB, fazia uma
campanha de oposição.
Temer
morre de medo de se ver em situação semelhante. Amargando índices altos
de impopularidade, ele também assiste hoje ao desenrolar da sua
sucessão passando ao seu largo. Rechaça, como mostrou Helena Chagas,
mesmo a construção de uma alternativa dentro do próprio núcleo de seu
governo: se emplacar, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, seria
um candidato do mercado, não um candidato seu.
Nos
últimos dias, Temer disse a mais de um interlocutor que não será um
José Sarney na sua sucessão. Assim, trabalha em duas frentes: para ter
participação efetiva no processo e para tentar entregar um país em
situação que não se assemelhe à que Sarney entregou a Fernando Collor.
No caso da economia, tenta criar situações que resultem em alguma
retomada do crescimento. E na aprovação, apesar de todas as polêmicas,
das suas reformas.
Agora,
é Temer esperar que a realidade combine com as suas pretensões. Além
dos avanços na economia, precisa emplacar a reforma da Previdência, o
que não está sendo fácil e implicará ceder às pressões da sua base nas
mudanças ministeriais que fará, um caldo que sempre corre o risco de
desandar se não for bem mexido e misturado.
A
reaproximação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) tenta
atender aos dois objetivos. Mais é figura fundamental para a aprovação
da reforma da Previdência. Embora negue, acabará tendo uma função de
articulador político, tanto para a aprovação da reforma quanto na
montagem do novo ministério. Mas é o próprio Maia quem alerta que o
governo ainda está bem longe de ter os votos para a reforma.
Do
ponto de vista político, costura-se por aí a possibilidade de uma
alternativa na sucessão que uma PMDB e DEM e não deixe os dois partidos
reféns do nome que sair do PSDB. Até porque a essa altura não há
qualquer garantia quanto a se o PSDB vai querer tal aproximação.
Novamente, é um caldo com boa chance de desandar. Um candidato
resultante de uma aliança PMDB/DEM e outro vindo do PSDB certamente
correrão o risco de disputar os mesmos votos, um enfraquecendo o outro.
E aí os devaneios descritos por Ricardo Miranda,
de alguma solução semiparlamentarista. O campo que Temer domina mesmo
são os carpetes verde e azul da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal. Se dependesse só dele, é provável que tentasse mesmo levar a
política para uma solução de poder mais congressual. Mas seria outro
caminho complicado e tortuoso. Certo mesmo é que Temer tentará de tudo
para não ver nascer em seu rosto o bigode de Sarney.