João Vicente Goulart (PPL), que
viveu no exílio com o pai, minimiza divisão entre esquerda e direita,
mas vê embate entre mercado financeiro e humanismo
VEJA - Paula Sperb
O filho de João Goulart, conhecido como Jango, o presidente deposto pela ditadura militar em 1964, pode seguir os passos do pai e concorrer à Presidência em 2018. João Vicente Goulart,
de 60 anos, que viveu no exílio no Uruguai com seu pai quando era
criança, é filiado ao PPL (Partido Pátria Livre) e já foi deputado no Rio Grande do Sul. Gaúcho de São Borja, Jango morreu na Argentina, em 1976 – a família suspeita de envenenamento.
“Existe
um movimento para isso [candidatura]. Seria positivo não apenas ir a
reboque de outro partido, mas lançar um nome que pudesse a ajudar [a
alavancar votos para superar a cláusula de barreira]. Existe essa
cogitação, é isso que o partido está discutindo, debatendo. Os líderes
regionais veem com muita possibilidade de ter um nome que possa puxar
[votos] e atender à barreira eleitoral”, disse Goulart a VEJA. Ele é
presidente do Instituto João Goulart ao lado da mãe, a ex-primeira-dama Maria Thereza Goulart, e concorreu ao Prêmio Jabuti neste ano pelo livro “Jango e Eu – Memórias de um Exílio sem Volta”.
Goulart
encara a candidatura como missão política, não tanto como desejo
pessoal: “No exílio, a gente se acostuma não com as coisas que a gente
gosta. O exílio, que nos impôs a ditadura, nos obriga permanecer cientes
da luta. Missão partidária a gente não discute, a gente cumpre”. Para o
presidenciável, as pautas do PPL são semelhantes àquelas defendidas
pelo seu pai quando sofreu o golpe militar. “Uma sociedade não pode ser
vista apenas pelos índices econômicos usados comercialmente, precisamos
olhar o índice de desenvolvimento humano. Quero que o lucro esteja a
serviço do bem-estar social. Não só o lucro pelo lucro, nossa plataforma
é o lucro social”, explicou.
)O filho de Jango não se vê como uma alternativa à esquerda, em um cenário em que a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apesar de favorito nas pesquisas,
segue incerta por causa de investigações por corrupção – ele já foi
condenado a nove anos e meio de prisão em um processo da Lava Jato. “Não
é questão de direita e de esquerda, nos dias de hoje, falamos em
mercado financeiro ou humanismo. Esquerda e direita me lembra 1964,
quando o mundo estava dividido em dois. Não tenho essa visão. É preciso
um grande diálogo nacional e rever os índices de desenvolvimento humano.
Evidentemente que nós temos o DNA do trabalhismo, não escondemos de
ninguém. Em 2018 vamos ter pela frente uma grande discussão, que é perda
dos direitos trabalhadores, que não foi uma conquista do PT, foi de
Getúlio Vargas, de Jango e Leonel Brizola [todos os três ligados ao trabalhismo]. O que queremos é harmonia entre capital e trabalho”, disse.
O filho de Jango trocou o PDT pelo PPL neste
ano depois que não recebeu apoio dos colegas da antiga sigla para
barrar o cancelamento da construção do memorial ao seu pai no Distrito
Federal (DF), onde vive. O memorial tem projeto de Oscar Niemeyer e foi cancelado pelo governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB).
A ditadura militar no Brasil começou em 1964, quando o presidente João Goulart foi deposto e
precisou se exilar no Uruguai. O gaúcho defendia o fortalecimento da
economia do país através de indústrias nacionais, a reforma agrária e o
combate ao analfabetismo. As medidas, reforçadas durante o histórico
comício de Jango para 150 mil pessoas na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, tiveram como reação a Marcha da Família com Deus pela Liberdade,
em São Paulo, que condenava as medidas “comunistas” de Jango e acirrou o
clima político. O complô militar contra Jango deu início ao período da
ditadura, que durou 21 anos.
Por
pouco, Jango não assumiu a Presidência da República. Ele era
vice-presidente em 1961 quando o presidente Jânio Quadros renunciou.
Militares e deputados tentaram impedir sua posse, que só foi possível
após a intensa “Campanha da Legalidade”, conduzida por Brizola,
então governador do Rio Grande do Sul, que formou uma cadeia com mais
de 100 rádios para denunciar e resistir ao golpe. Jango conseguiu
assumir o cargo, mas precisou concordar com o parlamentarismo proposto
pelos seus opositores – o sistema, no entanto, foi derrubado pela
população após um plebiscito.