Blog Os Divergentes
Em
Brasília, entre os rituais que os repórteres de política cumpriam na
cobertura diária havia um que mandava fazer uma visita ao gabinete dos
líderes dos principais partidos na Câmara dos Deputados todas as manhãs.
Mal comparando, hoje acho que agíamos como médicos que visitam seus
doentes bem cedinho nos hospitais. Precisávamos saber como o
“paciente/deputado” tinha passado a noite, por quais jantares ou
reuniões andara, com quem conversara. E, mais importante,
necessitávamos saber o que nos aguardava naquele dia.
Tenho
lembrado muito desses tempos, na década de 90, desde que a Polícia
Federal encontrou R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador que, tudo
indica, seriam do ex-ministro Geddel Vieira Lima. Então deputado
federal, líder do PMDB, Geddel sempre foi solícito com os jornalistas.
Nessas conversas coletivas, passava poucas informações relevantes. Mas
era bom contar com sua simpatia. Não só porque ele sabia tudo que
acontecia no PMDB, mas também porque privava da intimidade do presidente
da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA) com quem dividia noitadas e
articulações que decidiam tudo que por ali acontecia e que ele – caso
fosse do seu interesse – não se negava a contar a plateias restritas.
Muito
perfumado e alinhado, Geddel sempre abria a porta do gabinete com um
muxoxo exaltado, se queixando de tudo e de todos. Acho que ele alegrava
as manhãs com seus impropérios, suas queixas e os gritos que dava às
secretárias ou a quem estivesse por perto. De todos os palavrões que
dizia, meu favorito era um que usava para reclamar que trabalhava muito,
enquanto os demais não faziam nada:
–
Estão vendo, não?? Já estou aqui trabalhando, resolvendo pepino (sic)
de um e de outro. E eles?? Eles fazem o que, enquanto eu fico aqui
ralando a “bunda” nas ostras??? Fazem o que???? Só eu trabalho aqui –
gritava, indignado, com as bochechas bem vermelhas.
Ele
não usava a palavra “bunda”. Mas prefiro não repetir textualmente o
termo que ele dizia. De qualquer maneira, a frase sempre me provocava
arrepios. Eu saía da sala e ficava imaginando àquela terrível ardência
do arranhão em contato com a água salgada. Mas, ao mesmo tempo, de tão
inusitada, a expressão acabava sendo engraçada.
Tão
logo vi a imagem de todo aquela dinheirama abarrotada em malas e caixas
no apartamento em Salvador, senti novamente o arrepio daqueles tempos
no gabinete de Geddel. A ardência do arranhão em contato com a água
salgada. Mas, também como naqueles tempos, comecei a rir e lembrei da
pergunta que ele fazia:
– E eles??? Eles fazem o que, enquanto eu fico aqui ralando a bunda nas ostras???
Hoje, se eu pudesse responderia:
–
O que eles fazem também não sei. Mas tampouco consigo saber o que você,
líder Geddel, faz para arrumar tanto dinheiro. Haja bunda para ralar
nas ostras.