Ouvi
uma vez de uma tia ou talvez tenha lido em um romance brasileiro
esquecido a lenda quem sabe real da família que se reduziu à miséria por
não chegar a um acordo sobre a divisão de uma herança. Um caso
simétrico de ganância com resultado ruinoso é o velho clichê de matar a
galinha dos ovos de ouro.
O gênero dessa história autodestrutiva que se passa no Brasil de agora parece uma combinação dessas perversões.
Por
enquanto, a disputa e a mesquinharia a respeito de quem vai pagar a
conta da crise terminal das finanças do governo vão redundando em um
acordo tácito: inércia.
Não
haveria cortes decisivos de despesas, não haveria impostos relevantes a
mais. As contas vão se acumular. A ruína então virá, mais cedo ou mais
tarde, aos poucos ou de modo explosivo, a depender das voltas da
economia do mundo lá fora. Por enquanto, se empurra com a barriga, se
aceita o impasse.
Ou
melhor, é possível que a memória de ditaduras e inflações ressuscite ou
reforce nos membros menos ignorantes da elite, conscientes da crise, o
sentimento atávico de que sempre é possível esfolar o povaréu. "Menos
ignorantes": sim, há gente com voz, no topo ou no comando do país, que
de fato não se dá conta do tamanho inédito do problema fiscal e de suas
consequências.
Os
mais espertos talvez imaginem que, mesmo sem crescimento, mesmo na
eventual e lenta regressão do Brasil de país médio a país pobre, será
possível passar a conta adiante, extrair o bastante para sustentar um
simulacro de padrão de vida de elite global enquanto o resto das gentes
se dana.
Não
seria novidade. Ao contrário. É o padrão comum da história brasileira.
Vide o exemplo recente dos 15 anos de superinflação, de quase nenhum
crescimento, de crise contínua entre o colapso econômico da ditadura e o
Real.
Talvez
contribua para a inércia e para ilusões a melhoria temporária que virá
depois desta recuperação econômica microscópica, cíclica, cortesia
também da calmaria nas finanças mundiais e da folga nas contas externas,
resultado da recessão horrível que reduziu nosso consumo de modo brutal
(exportamos mais que importamos porque empobrecemos).
Marolas
externas, mudanças no custo mundial do dinheiro, podem, no entanto,
provocar desvalorizações do real e/ou aperto financeiro, juros mais
altos, perigo fatal para um governo tão endividado. A fim de escaparmos
do colapso, a alternativa seria um crescimento baixo em meio a inflação
alta, um dos nossos métodos habituais de passar a conta para o povaréu.
Essa
crise fiscal grave e, enfim, o cúmulo dos danos desse nosso Estado
disfuncional vão provocar um drama bíblico, hordas de miseráveis caindo
pelas ruas, pestes? Não. O crescimento seria cronicamente lento. Na
melhor das hipóteses, a pobreza ficaria estagnada. Problemas sistêmicos
de Estados precários, como o predomínio crescente do crime (vide o Rio),
vão se agravar aos poucos.
Pode
haver choques, decerto, confrontos decisivos, uma imposição dura de
perdas a um grupo social, uma revolta popular contra a pobreza
persistente envenenada por um ambiente inflacionário. Os caminhos da
degradação ou do conflito podem ser vários. Ainda estamos brincando de
escolher o cano pelo qual vamos entrar.