PM
manda traficante roubar e assim ter dinheiro para a propina da polícia.
Gravações da operação Calabar mostram que ao invés de evitar assaltos,
PMs do Batalhão de São Gonçalo incentivavam traficantes a praticarem
roubos.
TV Globo
Por Ari Peixoto, Felipe Freire e Leslie Leitão
Em
mais uma conversa gravada, com autorização da Justiça, entre um
traficante e um policial do 7º BPM (São Gonçalo), na Região
Metropolitana do Rio, um PM orienta o bandido a roubar para garantir o
dinheiro e assim pagar a propina que devia aos policiais. A informação
foi divulgada com exclusividade pelo Jornal Nacional.
No
batalhão de São Gonçalo, o roubo era autorizado pelo policial. Nos
diálogos obtidos pela reportagem o policial quer o dinheiro da propina e
manda o traficante dar um jeito para conseguí-lo: roubar carro e moto
na rua.
Policial: Oi.
Traficante: Fala, que, tipo assim, (inaudível) ligou aqui para pegar o resto do dinheiro, tá ligado?
Policial: Então paga ‘os canas’, filho, tem que pagar, mano. Paga eles. Amanhã o plantão é suave ou é brabeza, mano?
Traficante: Amanhã é suave.
Policial:
Parceiro, bota alguém para poder roubar alguma coisa na rua, tá ligado,
para cobrir esse quinto real dos P2, parceiro. Solta esses pit bulls
tudo pela rua aí, parceiro.
Traficante: "Demorô".
Policial:
Entendeu? Solta eles pela rua aí. Se trouxer um Meriva aí tu me fala ou
uma Ecosport, parceiro, entendeu? Porque eu vou querer. Um Meriva ou
uma Ecosport, eu vou querer, valeu?
Traficante: Já é.
Policial: Só me interessa se for um desses dois.
Traficante: Já é. "Demorô".
Policial:
Ou se chegar uma moto XRE aí pode prender ela que eu vou pegar. Porque
já venderam duas motos aí e não me deram nada, entendeu?
Traficante: Já é.
Policial:
Solta essas p... Esses dias aí para poder fazer alguma arruaça aí. Mas
não manda eles "matar" ninguém na rua não, hein?
Traficante: Ah já é, mano.
Policial: Já é.
Essa
ordem de não matar era para evitar que o caso caísse nas mãos da
Divisão de Homicídios (DH). No dia 2 de fevereiro deste ano, nove
bandidos decidiram roubar um caminhão de carga na BR-101
(Niterói-Manilha), próximo à cidade de São Gonçalo. O destino do
dinheiro do roubo era um acerto entre traficantes e policiais militares.
Só que os criminosos foram surpreendidos por um agente penitenciário
que passava pela rodovia.
O
agente João Alfredo Teixeira Neto desconfiou do roubo e atirou em um
dos carros onde estavam os bandidos. Mas foi morto pelos traficantes que
estavam em um segundo veículo mais à frente do caminhão.
No
depoimento na delegacia, um dos bandidos disse que assaltou porque
estava devendo R$ 5 mil a traficantes da favela Jardim Miriambi - e que
esses traficantes também tinham uma dívida com os PMs.
"O
assalto foi realizado porque o declarante estava devendo R$ 5 mil a
traficantes do Jardim Miriambi, que a dívida tinha origem em um
pagamento de propina a policiais militares", revelou o traficante no
depoimento à DH.
Em
outra conversa, um policial pede R$ 3 mil para liberar um traficante
preso e deixa claro que a polícia liberou o roubo de cargas na região.
Na linguagem usada pelos bandidos, caixa significa R$ 1 mil.
Policial:
Três caixas. Agora! Manda o Formiguinha trazer. Como ele traz sempre,
você sabe que com a gente é pureza, aí vem, vai trazer três caixas e a
gente vai liberar os moleques. Se não vier, você fala assim: eu não
tenho condição. Você vai falar isso, então, infelizmente, meu irmão,
dessa vez, pelos papos "todo" que "foi" dado "torto" pra gente e não
"cumpriu", que foram dados pra gente e não cumpriu, de prometer coisa.
Pô, até carga a gente tá liberando, mano. p... Pra neguinho tirar a
gente como otário?
Traficante: Não, mano. Não estou querendo tirar vocês como "otário" não, mano.
O
juiz Alexandre Abraão, do Tribunal do Júri, que julga crimes contra a
vida, se diz perplexo com as revelações da investigação. O magistrado
afirma que essa era uma organização criminosa, armada, poderosa,
estruturada para fazer o mal, buscar o lucro fácil e incutir temor nas
suas vítimas, na sociedade e inimigos.
"Essas
guarnições deveriam atuar no combate ao tráfico de drogas, mas, na
verdade, eles se associaram aos traficantes formando uma verdadeira
organização criminosa, na qual polícia e traficantes se confundiam",
conta o delegado Marcus Vinícius Amin.
A
operação Calabar, deflagrada esta semana pela Polícia Civil e pelo
Ministério Público estadual do Rio prendeu 80 policiais e 22
traficantes. A ação ainda desfalcou os batalhões de São Gonçalo e de
Niterói. Para não colocar em risco a segurança das duas cidades, o
comando da Polícia Militar destacou 66 PMs que trabalhavam em Unidades
de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro.