Relação se contrapõe à queda de braço de Trump com o FBI
Rubens Valente – Folha de S.Paulo
No
Brasil, a relação entre presidentes da República e diretores-gerais da
Polícia Federal costuma ser mediada pelo ministro da Justiça, ao qual a
PF responde. Reuniões de três partes foram comuns nos últimos anos.
Sob
o ministro José Eduardo Cardozo (2011-16), o então diretor-geral da PF
Leandro Daiello era levado pelo ministro ao Planalto, e as reuniões
entre os dois e Dilma Rousseff foram "muitas", segundo uma autoridade.
Mas são consideradas raras (não mais que três) as vezes em que Daiello
esteve com Dilma sem o ministro.
Sob
Márcio Thomaz Bastos (2003-07), a regra era que os contatos
(frequentes) com o então diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, fossem
feitos sempre pelo ministro, que depois informava ao então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva o necessário.
Nos últimos 20 dias, o presidente Michel Temer recebeu duas vezes no gabinete o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, sem o ministro da Justiça, Torquato Jardim, o que gerou dúvida.
No
último dia 15, Segovia saiu do encontro dizendo que a pauta eram
assuntos administrativos na PF, como a criação de uma categoria de nível
médio para tarefas de menor complexidade.
No dia 29, os dois voltaram a se reunir no Planalto.
A
PF afirma que o ministro foi comunicado previamente das reuniões,
preferiu não comparecer e nunca vetou os encontros. Nos lados do
Ministério da Justiça, a informação extraoficial é que foi estabelecida
uma ligação direta entre Temer e Segovia, da qual Jardim procura se
eximir.
Acerca dos encontros, Segovia disse à Folha nesta
quinta (1º), por meio da assessoria: "Fui convocado pelo dirigente
máximo da República e por isso resolvi comparecer. A todas as outras
reuniões a que for convocado, comparecerei".
Embora
um encontro assim seja uma oportunidade para Segovia brigar por ganhos
institucionais na PF, há riscos embutidos no relacionamento direto em
especial o de quebra de hierarquia, estimulando um cenário no qual a PF
responderia diretamente ao presidente, tornando o ministro peça de
decoração no tema.
Segovia
terá que trabalhar interna e externamente para que esses encontros não
ponham em xeque a isenção da poderosa máquina de investigação que a PF
se converteu ao longo das últimas duas décadas.
A
exemplo de todas as principais reuniões do presidente da República, as
audiências com a PF não são gravadas pelo menos não oficialmente. Sem os
áudios, não há como haver acompanhamento independente do assunto
tratado, restando versões das partes.
Em
uma cidade sacudida por escândalos como Brasília (na qual o entorno
presidencial e o próprio Temer são alvos de investigações), meras
suspeitas, ainda que infundadas, podem trazer sério prejuízo à imagem de
instituições e autoridades.