Um
mercado com "yuppies, meninos", uma "elite perversa" e uma "imprensa
mentirosa" foram os principais alvos do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva em seu discurso na Esquina Democrática, praça em Porto Alegre
que sediou um ato em seu desagravo nesta terça (23).
Cerca de 70 mil pessoas compareceram naquele que teria sido o maior comício da cidade, realizado na véspera do julgamento do petista no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, segundo a organização.
"Ah, o mercado tem medo de Lula", disse, reproduzindo uma impressão que seria disseminada contra sua candidatura.
"Não
sei se é mercado ou um bando de yuppies, meninos. Não preciso do
mercado, preciso de empresas produtivas, preciso de agricultura
produtiva e a agricultura familiar, responsável por 70% do alimento na
mesa do povo brasileiro. Preciso que o povo participe para que a gente
possa recuperar esse país", afirmou o homem que, em 2002, divulgou a
Carta ao Povo Brasileiro para apaziguar desconfianças de empresários e
investidores com sua chapa presidencial.
"Se
eu fosse a tranqueira que eles falam... Tranqueira por tranqueira, eles
arrumaram o Temer, arrumaram o golpe. Eles sabem que nós sabemos cuidar
do povo brasileiro."
Continuou:
"Não posso me conformar com complexo de vira-lata que tomou conta do
país", disse o ex-presidente, que em seguida criticou uma "elite
subserviente que quer falar grosso com a Bolívia e como um gatinho com
os EUA".
A
oratória incluiu críticas consecutivas à Rede Globo. "Duvido que o
William Bonner, da Globo, durma todo dia com a consciência limpa que
estou. Sei que não cometi crime, mas ele sabe que está mentindo."
Alvejou ainda Luciano Huck
–não mencionou seu nome, mas citou um "candidato inventado pela Globo
num caldeirão". O global apresenta o "Caldeirão do Huck" no canal.
'MEDO'
"Teve um momento em que o PT ficou com medo. Toda vez que a gente fica com medo o adversário cresce", disse o ex-presidente.
Lula
disse que os jornais brasileiros são mentirosos e que o "New York
Times" publicou matérias que a imprensa brasileira não tem coragem de
divulgar.
"Eu
tenho pena dos jornalistas que trabalham aqui no Brasil, porque ele sai
para cobrir as matérias com uma ordem do editor e aí, se não fizer, é
mandado embora", disse.
Lula
afirmou aos manifestantes que falaria do Brasil, e não de seu processo,
por três motivos. "Primeiro, porque eu tenho advogados competentes que
já provaram minha inocência", afirmou.
"Segundo,
porque eu acredito que aqueles que vão votar deverão se ater aos autos
do processo e não às convicções políticas de cada um. Terceiro, porque
eu tenho vocês com quem eu convivo há mais de 40 anos e vocês sabem da
minha inocência."
Para
Lula, seus inimigos não toleram que as classes menos favorecidas que
antes de seu governo tinham na mesa "carne de segunda e passaram a comer
carne de primeira". Pior: "As pessoas ficaram tão folgadas que não
queriam mais andar de ônibus".
A
direita começou então a atribuir os males do país "a uma doença chamada
PT, PC do B, Dilma, Lula". Praticou "uma cirurgia" para destituir Dilma
em 2016, e o povo "continuou anestesiado", afirmou.
"Agora estamos acordando. A doença que tentaram tirar está sendo substituída por uma bem pior, que não traz esperança ao povo."
Lula
arrematou sua fala de 36 minutos com uma frase que já virou clichê em
seus atos: "Tenho 72 anos de idade. Tô com energia de 30 e tesão de 20 para lutar.
O
volume de participantes e sua repercussão na imprensa internacional,
com artigo em sua defesa publicado no mesmo dia pelo "The New York
Times" e mencionado por Lula no palco, alimentaram uma esperança entre
os petistas.
Ele
pediu que as pessoas leiam o "The New York Times", o "El Pais", para
ter acesso a "coisas que a imprensa brasileira não tem coragem de
publicar".
Colaboradores
do ex-presidente sonhavam com a possibilidade de pedido de vistas que
estenderia o processo, permitindo o registro de sua candidatura –o prazo
é 15 de agosto.
Lula
veio num voo com o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o
escritor Raduan Nassar. Ficou esperando no aeroporto por cerca de 45
minutos até que avisassem que tinha público no ato.
Amigo
de Lula, o deputado Wadih Damous reconheceu: "Até a semana passada, eu
acreditava que poderia ser três a zero [três juízes vão julgar o
petista]. Hoje, é imponderável". (Folha de S.Paulo – Anna Virgínia Balloussier, Ana Luiza Albuquerque, Catia Seabra e Felipe Bachtold)