Condenado
a 9 anos e 6 meses de prisão, réu em 6 processos e denunciado em 2,
ex-presidente é suspeito por crimes de corrupção, lavagem, tráfico de
influência e obstrução à Justiça, obstáculos em sua tentativa de buscar
um terceiro mandato em 2018.
Em
São Paulo, os procedimentos instaurados desde julho deste ano tratam de
supostos pagamentos em benefício do filho caçula do ex-presidente, Luís
Cláudio, por meio da contratação de uma empresa de eventos esportivos,
ao repasse de uma mesada a seu irmão Frei Chico e de desvios na
construção da Arena Corinthians, o Itaquerão.
Os
investigadores em Brasília apuram uma suspeita de obstrução da Justiça.
Emílio Odebrecht, patrono da empreiteira, e o ex-diretor da empresa
Cláudio Melo Filho relataram à Procuradoria-Geral da República que o
ex-presidente e o ex-ministro e ex-governador da Bahia Jaques Wagner
(PT) atuaram no governo Dilma Rousseff para edição de uma Medida
Provisória (MP 703/2015) que possibilitasse que a empresa fizesse um
acordo de leniência sem a intervenção do Ministério Público. A medida
beneficiaria diretamente a construtora e outras investigadas.
São
apurações que chegaram a ser enviadas à Curitiba, mas depois foram
redistribuídas, a partir de julho, por decisão do ministro Edison
Fachin, relator da Lava Jato no Supremo.
Paraná. Em Curitiba, a capital da Lava Jato, há duas frentes abertas: uma para apurar fraudes e corrupção em negócios do setor petroquímico relacionados à Braskem e outra, a mais avançada, para investigar doações ao Instituto Lula e pagamentos por palestras via Lils Palestras, Comunicação e Eventos – empresa aberta por Lula em 2011, após deixar a Presidência.
No
caso dos benefícios para a Braskem, empresa que tem Odebrecht e
Petrobrás como maiores acionistas, são investigados também a
ex-presidente Dilma e os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci –
que negocia um acordo de delação premiada com o MPF.
As
novas frentes de investigação abrangem os períodos de presidente, entre
2002 a 2010, e de palestrante, à partir de 2011. São suspeitas que
buscam identificar propinas arrecadadas para o partido e também para
benefício pessoal e da família.
Família.
As apurações enviadas para São Paulo contra Lula decorrem das
revelações de “contrapartidas” dadas pelo empresário Emílio Oderecht ao
ex-presidente e seus familiares em troca de negócios e boas relações com
os governos do PT. Supostos acertos que resultaram em uma ‘conta
corrente” de propinas que a empresa teria mantido com Lula e o PT,
confessa pelo ex-ministro Antonio Palocci, no dia 6 de setembro, que
admitiu em juízo ser o responsável pelo gerenciamento dos valores – que
teriam chegado a R$ 300 milhões – e incriminou o ex-presidente.
Uma
das apurações em andamento na força-tarefa da Lava Jato paulista,
criada em julho, é o de ajuda financeira da Odebrecht para o filho de
Lula Luís Cláudio Lula da Silva montar a empresa Touchdown Promoção de
Eventos Esportivos, que montou uma liga de futebol americano no Brasil. O
acerto teria sido feito, segundo os delatores, entre Emílio e o
petista, em 2011, em troca de sua atuação para melhorar a relação do
filho Marcelo Odebrecht com a presidente Dilma.
“Procurei
dar, como se meu filho fosse, um processo de formação e de
empreendedorismo para que ele pudesse montar aquilo que ele desejava e
tivesse sucesso”, disse Emílio, em seu termo de delação 30. O empresário
diz que indicou o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar para
cuidar do assunto.
Também
delator, Alexandrino deu detalhes dos repasses que são ponto de partida
das investigações. “Lembro que minha primeira reunião com Luis Cláudio
Lula foi em 16 de janeiro de 2012.” Trataram do início dos negócios da
Touchdown. “Era um relacionamento com contrapartida.”
Os
delatores entregaram registros dos pagamentos feitos durante três anos,
que totalizaram cerca de R$ 2 milhões, por meio de uma empresa que já
prestava serviços para a Odebrecht. “Na área de marketing já tínhamos
como um fornecedor nosso a Concept, que nos apoiava em nossas estruturas
dos estádios de futebol. A nosso pedido, a Concept prestou serviços
para a Touchdown, empresa de Luis Cláudio, e mediante pagamento efetuado
por uma das empresas do Grupo Odebrecht.”
O
executivo explicou que a Odebrecht pagava 90% de um contrato anual de
R$ 700 mil para a Concept, que tinha como beneficiário a Touchdown. O
delator diz que o acordo inicial era de ajuda mensal por dois anos, mas
os repasses continuaram por mais um, pois os negócios do filho de Lula
não teria “decolado”.
Mesada irmão.
Lula também pode ser denunciado em 2018 pelo pagamento de propinas para
seu irmão mais velho, José Ferreira da Silva. A apuração parte da
revelação da Odebrecht de que durante 13 anos (2003 a 2015) repassou a
Frei Chico, como é conhecido, uma “mesada” em nome das “boas relações”
da empresa com o ex-presidente. Os valores seriam entregues em dinheiro
vivo pelo ex-executivo Alexandrino Alencar em encontros em locais
públicos de São Paulo, como shoppings e restaurantes.
Seriam
R$ 5 mil mensais, entregues a cada três meses. Hilberto Mascarenhas
Alves da Silva Filho, que chefiou o chamado departamento de propinas da
empreiteira, confirmou que os valores para repasse saíram do setor. Nas
planilhas do departamento da propina da Odebrecht, ele tinha o codinome
“Metralha”. Frei Chico foi militante do Partido Comunista e um dos
responsáveis por levar Lula para a política e para o sindicalismo.
No
material enviado para São Paulo, estão três registros de pagamentos do
Setor de Operação Estruturadas da Odebrecht para Frei Chico, ou
“Metralha”, como prova de corroboração. São valores de R$ 15 mil,
supostamente feitos em 2008. Em dois deles, constam as senhas “Amora” e
“Palmito” usadas nas retiradas dos valores.
Alexandrino,
que era próximo de Lula, afirmou que o ex-presidente “sabia” dos
pagamentos. O caso também foi enviado inicialmente a Moro, mas depois
redistribuído para São Paulo, por Fachin, que afirmou na petição:
“Narram os executivos que os pagamentos eram efetuados em dinheiro e
contavam com a ciência do ex-presidente, noticiando-se, ainda, que esse
contexto pode ser enquadrado ‘na mesma relação espúria de troca de
favores que se estabeleceu entre agentes públicos e empresários’”.
Obstrução.
Em Brasília, Lula caminha para sua primeira vitória na batalha judicial
imposta pela Lava Jato. O MPF considerou não existirem provas para uma
condenação do petista no processo em que é acusado de obstrução de
Justiça decorrente da delação premiada de Delcídio Amaral, no episódio
de suposta compra do silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró.
A Justiça julgará nos próximos dias a ação e o ex-presidente deve ser
absolvido. O episódio, no entanto, não encerra as acusações contra ele
por supostamente tramar contra a Lava Jato. Duas frentes pode resultar
em novos processos penais e enfraquecer seu discurso de que foi o
presidente que mais combateu a corrupção no governo.
Lula
é alvo de um pedido de investigação enviado a Curitiba e depois
remetido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília,
por suposta participação ilícita na edição da Medida Provisória
703/2015. A MP permitiria que a Odebrecht e outras investigadas
buscassem acordos de leniência com a Controladoria Geral da União (CGU),
órgão do governo, excluindo a necessidade de delações dos executivos
com o Ministério Público Federal (MPF).
A
MP foi editada em novembro de 2015 por Dilma, mas não foi convertida em
lei, após forte reação do MPF e de entidades, que alegaram que ela
inviabilizaria novas delações e prejudicariam a Lava Jato. Meses depois,
a Odebrecht iniciava tratativas para seu acordo que envolveu 77
executivos e Lula seria alvo de condução coercitiva e buscas, na 24ª
fase da Lava Jato, deflagrada em 4 de março de 2016.
Emílio
Odebrecht e Cláudio Melo Filho, alto executivo do grupo, relataram que
buscaram Lula e Wagner, após a prisão de Marcelo Odebrecht, em junho de
2015, e conseguiram que por intermédio dos dois petistas que a
ex-presidente Dilma editasse a medida atendendo seus interesses.
Lula
também foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) no dia
6 de setembro junto com Dilma por suposto crime de obstrução à Justiça,
ao combinarem a nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil –
fato revelado em grampo, em que os dois foram flagrados acertando a
entrega de sua nomeação – para atrapalhar a Lava Jato. O STF ainda vai
decidir se aceita a denúncia, se arquiva ou remete para a primeira
instância.
Líder.
Antes do final do ano, Lula pode ser novamente condenado por Moro e
virar réu acusado de ser o líder da organização criminosa que em seu
governo e no governo Dilma desviou mais de R$ 2 bilhões em propinas ao
partido, o PT, e em benefício pessoal dos envolvidos, graças a desvios e
corrupção em contratos da Petrobrás e de outros órgãos federais.
No
dia 6 de setembro, Lula foi denunciado pelo ex-procurador-geral da
República Rodrigo Janot em uma de suas últimas “flechadas” no cargo –
ele passou o bastão no dia 17 para Raquel Dodge. A denúncia do chamado
“quadrilhão do PT” imputa ao petista papel de figura central no esquema
de fatiamento de cargos estratégicos do governo, com políticos do PT,
PMDB e do PP, para arrecadação de propinas.
Outro
obstáculo à vista no caminho de Lula rumo a 2018 é a nova sentença que
deve ser dada pelo juiz Sérgio Moro, onde foi condenado pela primeira
vez em julho por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo de
propina de R$ 3 milhões da OAS, no caso tríplex do Guarujá.
Com
o término da fase de instrução da ação penal em que é acusado de
receber propina de R$ 12,5 milhões da Odebrecht, de forma dissimulada na
compra do terreno para o Instituto Lula e do apartamento para a família
em São Bernardo do Campo, em 2010, Moro deve decidir se condena ou
absolve o petista até novembro. A confissão do ex-ministro Antonio
Palocci (Fazenda/Lula e Casa Civil/Dilma Rousseff) e dos executivos da
Odebrecht aumentaram as chances de condenação do ex-presidente nesse
processo, segundo membros da força-tarefa e advogados.
Lula
é réu em Curitiba ainda em uma terceira ação penal, que trata de
suposta propina paga pela Odebrech e OAS nas reformas do Sítio Santa
Bárbara, em Atibaia (SP) – que a Lava Jato diz ser do petista e ele
nega. Esse processo está ainda em fase inicial e deve ser julgado no
início de 2018.
Na
última semana, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara
Federal, no Distrito Federal, abriu novo processo em que ele é acusado
de vender em 2009 uma MP para beneficiar montadoras de veículos – caso
da Operação Zelotes, que compartilha dados com a Lava Jato. Nessa mesma
vara, Lula será julgado por crime de tráfico de influência no governo
Dilma para beneficiar empresas do setor automotivo, com a edição de
outra MP, e na compra de caças suecos pelo governo.
Pré-campanha.
Interrogado pela segunda vez como réu da Lava Jato em Curitiba, na
quarta-feira, 13, Lula deixou claro que as denúncias do MPF, processos e
eventuais condenações não serão obstáculos intransponíveis no seu
caminho em busca de um terceiro mandato presidencial.
Amparado
pelos números das pesquisas que o colocam à frente em todos os cenários
e no embalo da caravana ao Nordeste, em que colocou nas ruas sua
pré-campanha – prometida na primeira vez que esteve diante de Moro, em
10 de maio -, o ex-presidente trabalhará para evitar que o cerco que se
fecha contra ele na Justiça torne insustentável seus planos eleitorais,
antes mesmo do processo de escolha dos candidatos pelos partidos, em
julho.
Com
ênfase na defesa de que ele virou um perseguido político e que só
cortes internacionais poderiam julgados de forma isenta, Lula busca
frear movimentações internas do PT, que passaram a trabalhar pela
necessidade de um nome de segunda via para a disputa presidencial, ao
mesmo tempo que tenta uma nulidade nos processos e nas investigações,
que derrubem o quadro de suspeitas e condenações contra ele.
O
ex-presidente nega todas as acusações contra ele e a família, sustenta
que os procuradores da Lava Jato empreendem uma “caça às bruxas” para
imputar lhe falsamente papel de liderança no bilionário esquema de
corrupção descoberto na Petrobrás e que seus delatores mentem.
Nos
tribunais, o criminalista Cristiano Zanin Martins, que defende o
ex-presidente nos processos, tem questionado a isenção dos julgadores,
como Moro, e apontado ilegalidades processuais e investigativas – até
agora, sem sucesso efetivo. A defesa também levou pedido à Organização
das Nações Unidas (ONU) para que interfira no caso.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE LULA
“Tanto
as ações penais em curso como as investigações que foram abertas contra
o ex-Presidente Lula não têm materialidade. Todas elas estão baseadas
em hipóteses criadas pelo Ministério Público para perseguir Lula ou,
ainda, em afirmações de delatores ou candidatos a delatores que precisam
fazer referência ao nome do ex-Presidente para poderem destravar a
negociação e obter benefícios, seja para saírem da prisão, seja para
desbloquearem patrimônio constituído de forma ilícita.
Há
procedimentos vinculados artificialmente à Lava Jato, pois não há
nenhuma prova ou indício de que valores provenientes de contratos da
Petrobras tenham sido destinados para o pagamento de vantagens a Lula, o
que seria imprescindível segundo a orientação do Supremo Tribunal
Federal (Inq/QO 4.130). Essa afirmação de vínculo com tais contratos da
Petrobras é feita pelo Ministério Público para escolher a jurisdição da
13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar Lula, diante da
parcialidade do juiz em relação ao ex-Presidente, o que é incompatível
com a Constituição Federal.
Quando
a verdade prevalece sobre o ímpeto persecutório que orienta as ações de
alguns investigadores, a inocência de Lula é reconhecida até por seus
acusadores, como ocorreu em ação recente que tramita em Brasília, na
qual o ex-Presidente foi indevidamente acusado pela compra do silêncio
do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró com base em afirmações
mentirosas de Delcídio do Amaral no âmbito de sua delação premiada.
Lula
jamais praticou ou deixou de praticar qualquer ato da competência do
Presidente da República, o chamado ato de ofício, vinculado a vantagens
para si, para seus familiares ou terceiros. Por isso, é absolutamente
despropositado cogitar-se da prática do crime de corrupção, que
pressupõe que um funcionário público pratique ou deixe de praticar um
ato de ofício e receba vantagens em contrapartida.
Somente
nas ações penais que tramitam em Curitiba já foram coletados mais de
200 depoimentos de testemunhas e nenhuma delas confirmou qualquer das
acusações que o Ministério Público faz contra Lula. Essa situação
reforça que o ex-Presidente é alvo do uso indevido dos procedimentos
jurídicos para persegui-lo politicamente, prática conhecida
internacionalmente como “lawfare”.
Caso
Lula seja submetido a julgamentos justos, imparciais e independentes,
como é assegurado pela Constituição Federal e pelas leis internacionais
que o Brasil se obrigou a cumprir, ele será absolvido de todas as
acusações que foram indevidamente formuladas pelo Ministério Público,
que sequer deveriam ter sido recebidas pelos juízes por absoluta
ausência de justa causa, ou seja, de qualquer indício da prática de
crimes.”
Cristiano Zanin Martins, advogado de defesa do ex-presidente Lula