O cantor cearense morreu neste domingo (30), aos 70 anos.
A notícia de que o cantor Belchior, compositor ícone da música
brasileira nos anos 1970, estava vivendo em Santa Cruz do Sul há três
anos, pegou de surpresa a cidade de 126 mil habitantes, no interior do
Rio Grande do Sul. Nem os vizinhos da casa branca conheciam quem vivia
nela.
Belchior foi encontrado morto por sua companheira, na sala de casa,
na manhã deste domingo (30). O laudo da necropsia afirma que ele morreu
por um rompimento da aorta, enquanto dormia.
Em depoimento à polícia, Edna Prometeu, produtora cultural com quem o
compositor vivia desde 2005, disse que ele se queixou de frio e dor nas
costas na noite de sábado (29) e pediu para ficar um pouco na sala de
estar, nos fundos da casa, onde costumava passar o tempo ouvindo música
clássica.
Antes de subir para o quarto, Edna perguntou se ele queria
acompanha-la, mas Belchior disse que preferia ficar ali. Pela manhã,
Edna o encontrou já sem vida, no mesmo sofá.
A privacidade do casal e o segredo do paradeiro de Belchior – que
passou a ser curiosidade de todo o país, depois de uma reportagem do
“Fantástico” (Globo), em 2009- foi mantida nos últimos anos de vida do
cantor graças a uma rede de amigos.
Depois de ser descoberto pela imprensa
morando no Uruguai, Belchior partiu para a estrada outra vez, vivendo
uma vida itinerante. Ninguém mais sabia dizer por onde andava. Uma
sobrinha que vive no Ceará disse que o último contato da família com ele
foi em 2008.
A rede de amigos dele e de Edna entrou em contato com conhecidos de
Santa Cruz do Sul perguntando se eles poderiam receber temporariamente o
casal, com a condição de guardar segredo sobre suas identidades. Na
cidade discreta, marcada pela colonização alemã, Belchior encontrou a
vida longe dos holofotes que queria.
A escritora Célia Zingler, um dos primeiros contatos do casal na
cidade, acredita que o que fez Belchior adotar Santa Cruz como endereço
fixo por mais tempo, foi a forma como foi recebido. “Ele foi muito
acolhido aqui. Outros amigos nos procuraram porque estavam preocupados
com eles, pedindo se poderíamos recebê-los e ajudar a manter a
privacidade”, diz ela. “Ele era uma pessoa que nunca reclamava de nada”.
Malu Muller, dona de casa, conheceu o casal a partir de Celia. Há
dois anos, Belchior e Edna ficaram hospedados por 20 dias na casa dela.
“Era uma pessoa incrível, maravilhosa, estava sempre bem humorado. Ele
acordava de manhã já dando beijo na gente”, lembra ela.
Quando o casal deixou por um tempo Santa Cruz, Malu perdeu o contato
com eles. No final do ano passado apenas é que voltaram a se encontrar
depois que esbarrou com Edna, no centro da cidade. Passou a visitá-los
na casa do bairro Santo Inácio, onde Belchior foi encontrado esta manhã.
Ainda emocionada e abalada ela conta: “Minha filha se surpreendeu hoje
de manhã e disse: ‘mãe, como tu nunca me contou que visitava o Belchior
aqui?'”
Malu diz, ainda, que Belchior estava planejando uma volta aos palcos.
Ela emprestou um violão que tinha em casa para ele e afirma que todo o
tempo em que esteve “sumido”, nunca deixou de compor. No mês passado, o
compositor perguntou para o marido da dona de casa sobre a possibilidade
de irem a Florianópolis ainda em abril, onde ele tinha amigos que iriam
ajudá-lo “a recomeçar de novo”.
“Ele estava preocupado com a situação política do Brasil, com o
golpe, e sentia que estava na hora de voltar. Dizia que não podia ficar
se escondendo em um momento assim”, conta ela. Política era uma
preocupação constante para ele e um dos assuntos recorrentes nos
jantares em que tinha com amigos, em casa. E mesmo nos jantares íntimos,
Belchior nunca cantava. Os assuntos com os amigos passavam ainda sobre
viagem, cultura e filosofia, um dos assuntos prediletos do artista.
Ainda emocionadas com a partida repentina dele, as amigas ainda não
sabem qual será o destino do trabalho que Belchior tocava nos últimos
dias. Elas não chegaram a conhecer as músicas que ele estava compondo,
mas acreditam que política voltaria a ser sua voz.
Com informações da Folhapress.