Os crimes de Lula serão ofuscados pela alegação de que há um “golpe” para impedir sua candidatura
ÉPOCA – Eugenio Bucci
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Será que, para salvar a democracia brasileira, é preciso que Luiz Inácio Lula da Silva seja
candidato à Presidência da República em 2018? Se a pergunta parece
absurda a seus ouvidos, é melhor ir com calma. Para muita gente, e não
estamos falando só daqueles que ainda levam a sério o Partido dos
Trabalhadores, essa candidatura é de interesse público, mais do que de
interesse partidário. Muitos acreditam que, se Lula não
estiver na cédula no ano que vem, a representatividade das próximas
eleições vai escorrer pelos bueiros e, depois disso, a nação cairá nos
braços fumegantes do caos.
Embora
os defensores da candidatura Lula se situem mais ou menos à esquerda, a
tese tem chances reais de seduzir adeptos mais para o centro. Mesmo
entre aqueles que criticam Lula – ou porque o consideram uma “decepção
ética” ou porque veem nele um populista vulgar e irresponsável – há os
que já se mostram sensíveis à ideia. Alguns desses já avisam que não
votarão no ex-presidente, mas alertam que os milhões de brasileiros que
gostaram dos governos Lula entre 2003 e 2010, e agora, como mostram as
pesquisas, querem que ele volte, vão se sentir excluídos do processo
eleitoral caso ele não seja candidato. Na quinta-feira, dia 20, uma
pesquisa do Ibope, feita antes da divulgação da delação da Odebrecht,
mostrou que a rejeição ao nome de Lula vinha caindo. Por isso, a
ausência do nome de Lula na cédula de 2018 retiraria legitimidade do
pleito. Quem quer que viesse a ser o vencedor seria um vencedor
enfraquecido desde o dia da vitória.
Concordemos
ou não com a tese, recomenda-se não desprezá-la. A proposta vai dominar
a agenda nacional nos próximos meses, com toques de tragédia tropical. O
discurso do “golpe”, que arrastou corações apaixonados durante o
processo que cassou o mandato deDilma Rousseff, vai voltar com força considerável. A Operação Lava Jato,
na qual Luiz Inácio Lula da Silva é réu em condições cada vez mais
funestas e mais vexatórias, será retratada com um prolongamento do
“golpe” que cassou Dilma Rousseff em 2016. Dirão que o único propósito
da Lava Jato não é investigar, julgar e punir corruptos e corruptores,
mas construir um cenário jurídico que dê bases legais para cassar por
antecipação a candidatura de Lula em 2018. A Lava Jato vai ser chamada
de segundo capítulo do “golpe” de 2016. A primeira vítima foi Dilma,
dirão de dedo em riste, e a segunda é a carreira política do padrinho
que a elegeu. Com base nisso, os defensores da candidatura advertirão:
sem Lula na disputa, a democracia brasileira sairá debilitada,
desacreditada e até inviabilizada, pois perderá seu lastro de confiança.
Por
trás da retórica um tanto heroica, a engrenagem eleitoral será
impulsionada pelo motor pragmático do Direito Penal. A estratégia da
defesa jurídica do réu Luiz Inácio Lula da Silva, implicado de corpo
inteiro na Lava Jato, alimentará o ânimo do palanque eleitoral do
candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Quanto mais a tese da candidatura
progredir, melhor para a defesa do réu. Lula passará a ser tratado como
um preso político ou como um quase preso político. Os crimes de que ele é
acusado perderão visibilidade, serão ofuscados pela alegação de que há
um “golpe preventivo” em marcha para impedi-lo de se candidatar. Nesse
discurso, todas as delações, todas as provas, todas as páginas do
processo serão reduzidas a um reles pretexto de um golpe contra os
eleitores de Lula. Quanto mais gente acreditar que a candidatura Lula
terá o condão de funcionar como um atestado de legitimidade das eleições
de 2018, maior será o custo político que o juiz Sergio Moro terá de pagar se decidir mesmo condená-lo à prisão. Quanto mais candidato for, menos réu Lula terá de ser.
Aí
você pergunta: por que o candidato em 2018 precisa ser ele, Lula? Por
que tanto personalismo? Por que não alguém mais jovem, sem as manchas
deixadas pelas delações premiadas dos donos e dos executivos dessas
empreiteiras que compraram quase todo mundo de 30 anos para cá? Por que
Lula não dá seu apoio a um nome mais limpo? Isso não seria suficiente
para que os eleitores que gostam dele se sintam representados? Por que o
PT não aproveita o momento para renovar suas lideranças, como o PSDB
parece que vai fazer?
A
resposta a essas perguntas talvez nos constranja, porque talvez sugira
que o colossal empenho coletivo para que Lula entre na cédula está a
serviço de uma estratégia advocatícia para evitar que Lula entre na
cela. Vista por esse ângulo, a candidatura de Lula em 2018 não seria um
projeto político, mas um atalho concebido no tabuleiro dos tribunais. A
hipótese pode soar antipática, mas não a descartemos de cara. Onde está a
verdade nesse jogo? Os próximos meses dirão.