Folha de S.Paulo – Natuza Nery
"Dona
Dilma" abre a porta, ao lado de Vera, sua diarista. O apartamento em
Porto Alegre tem uns 70 metros quadrados no primeiro piso, com móveis
amontoados, mais uns cerca de 50 metros quadrados no piso superior.
A
patroa sobe lentamente uma minúscula escada de madeira já esbranquiçada
pelo tempo, em caracol, segurando-se no corrimão para não pisar em
falso, e vai até o segundo andar.
Lá,
duas estantes de aproximadamente três metros de largura, repletas de
livros, tomam conta da pequena sala de estar. Um sofá azul grande
disputa o ambiente onde a ex-presidente da República passa a maior parte
do tempo desde o impeachment.
"Eu queria escrever um romance policial. Gosto muito. Li muito", diz, contemplando exemplares de sua coleção.
Um
biombo corta parte do recinto e aguça a curiosidade dos visitantes. Por
trás dele, um espaço de uns dois metros quadrados esconde a pequena
área onde faz exercícios.
Há
algumas faixas elásticas e um espaldar em madeira onde faz
alongamentos. Dilma se exercita diariamente sozinha. Depois, roda de
bicicleta pelas ruas do bairro Tristeza, onde mora na capital gaúcha, ao
lado de dois seguranças.
Ela
mostra os punhos. Desenvolveu LER (Lesão por Esforço Repetitivo) de
tanto andar sobre duas rodas, hábito cultivado nos tempos de
Presidência. Mas não dá sinais de que pretende parar.
Dilma não parece ter ganhado peso desde que deixou Brasília. Recebe a Folha maquiada,
com o cabelo feito, de calça preta de alfaiataria e uma jaqueta
laranja. Não tem mais compromissos durante a tarde de sexta-feira, 21 de
outubro.
O
telefone toca. A dona da casa deixa dar três toques e atende. "Tá
ótimo, tá ótimo", responde apressadamente, e devolve o aparelho à base.
É
o velho e bom telemarketing. O atendente da operadora quer saber se a
cliente aprova o serviço –pela conversa, não parece saber de quem se
trata do outro lado da linha.
Dilma
desliga e murmura: "Às vezes eu finjo ser outra pessoa. Às vezes eu sou
a Janete". E sorri, como quem se diverte com a traquinagem de enganar
telefonistas.
Dona Vera sobe com duas xícaras de café. Não há móvel para apará-las.
"Estou
pensando em trazer uma mesinha da casa da minha mãe, no Rio. Se tiver
60 centímetros de altura, os Correios transportam por um preço bom",
comenta.
Dilma se levanta e puxa uma cadeira de madeira, onde as xícaras são acomodadas.
Em
seu quarto, há apenas uma cama e uma grande TV. Há um outro quarto
abarrotado de caixas. Dilma diz que, qualquer hora dessas, pretende
enfrentá-las. Nem sabe bem o que há ali.
No
banheiro, o box de vidro permite ver um par de chinelos escorado na
parede, na diagonal, como quem os coloca lá para escorrer a água.
Trata-se de uma típica casa de classe média. Nada parecida com os palácios em que passou a maior parte dos últimos cinco anos.
Não é estranho morar aqui depois de viver no Alvorada?, pergunta a reportagem.
"Não. O Lula até me disse: 'para que você precisa de um lugar grande? Fica num pequeno mesmo'".
Quase no fim da conversa, Dilma Rousseff pergunta: "Será que eles podem ler livros lá na prisão?".
A ex-presidente não diz o nome Lava Jato, mas claramente se refere aos detidos pela operação.
Leia entrevista completa: Após impeachment, Dilma leva vida reservada no RS