(Josias de Souza)
Com um atraso de duas semanas, Dilma saiu em defesa de
Lula neste sábado. “Converso sistematicamente com o presidente Lula.
Acho que ele está sendo objeto de grande injustiça'', disse ela. Vai
ficando cada vez mais claro que, por trás das crises política e moral,
há no Brasil uma crise de semântica. Antes de discutir se Lula é vítima
de injustiça convém combinar o que é “injustiça”. É essencial definir
critérios.
“Injustiça”
se mede pela número de inquéritos em que emergiram suspeitas contra
Lula ou pelo número de interrogações que as notas oficiais do Instituto
Lula deixaram sem resposta? Qual é o peso relativo das reformas feitas
por empreiteiras-companheiras em imóveis associados Lula? O fato de as
empreiteiras serem as mesmas que assaltaram a Petrobras é suspeito ou “é
a coisa mais normal do mundo”, como disse o ex-ministro Gilberto
Carvalho? Ao dar meia-volta na compra do triplex reformado às custas da
OAS, sob a supervisão de Marisa Letícia, Lula arrependeu-se do elevador
privativo ou teve medo das notícias que penduraram o imóvel do Guarujá
de ponta-cabeça nas manchetes? A utilização de um sítio paradisíaco
registrado em nome dos sócios do filhão Lulinha e equipado por pessoas e
logomarcas encrencadas na Lava Jato é uma prova de que Lula é um
sujeito acima de qualquer suspeita ou será necessário engolir novamente a
tese segundo a qual o personagem é mesmo o tolo que não se cansa de
repetir “eu não sabia”?
Dilma
disse respeitar “muito a história do presidente Lula.” Ela soou
peremptória: “Tenho certeza de que esse será um processo que será
superado, porque acredito que o país, a América Latina e o mundo
precisam de uma liderança com as características do presidente Lula.''
A
presidente não notou. Mas Lula está encrencado em quatro processos, não
em um. O Ministério Público de São Paulo investiga a suspeita de
ocultação de patrimônio no Guarujá. A força-tarefa da Lava Jato, que já
apurava indícios de lavagem de dinheiro no Edifício Solaris, onde está
assentado o triplex a beira-mar, levou ao radar o sítio de Atibaia. A
Procuradoria da República apura em Brasília se o ex-presidente cometeu o
crime de tráfico de influência em favor de empreiteiras. E a Operação
Zelotes vareja as medidas provisórias editadas sob Lula com regras que
beneficiaram montadoras de automóveis.
Para se chegar a um acordo quanto à “grande injustiça” praticada contra Lula, a primeira condição é falar a mesma língua.