Da Folha de S.Paulo
A
presidente Dilma Rousseff ensaiou um mea-culpa nesta segunda (24) e
admitiu que errou na avaliação da situação econômica durante a campanha
eleitoral do ano passado, demorando a perceber a gravidade da crise.
Em entrevista à Folha e
a outros dois jornais brasileiros, a petista afirmou que as
dificuldades só ficaram mais claras entre os meses de novembro e
dezembro de 2014, depois da sua reeleição.
A presidente convidou jornalistas para explicar a reforma administrativaanunciada nesta segunda pelo governo, que promete cortar dez ministérios até setembro.
Admitir
erros e cortar na carne são duas das principais cobranças feitas pela
oposição e até por aliados desde a corrida presidencial. Dilma não quis
falar sobre a crise política que enfrenta, e evitou responder aos
críticos e àqueles que defendem seu impeachment ou renúncia.
Apesar
da forte turbulência econômica e política, Dilma mostrou-se tranquila, e
garantiu estar em fase "budista", mas atacou aqueles que, segundo ela,
tentam envolver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com corrupção e
incentivam a intolerância: "É fascista", disse.
REFORMA ADMINISTRATIVA
A
presidente previu dificuldades políticas para mexer em redutos ocupados
por aliados, mas disse que ninguém será preservado dos cortes, nem
mesmo seu partido, o PT. "Vamos passar todos os ministérios a limpo",
disse ela.
Em entrevista à Folha em
julho, ela classificara como "lorota" a proposta de redução dos
ministérios, defendida pela oposição, por não trazer "economia real" aos
cofres públicos. Nesta segunda, disse que o objetivo principal não é
arrecadar mais.
"Quero
tornar eficiente o gasto. E tenho, ao mesmo tempo, de fazer a
composição política", disse. Afirmou que tinha "urgências maiores", como
o ajuste fiscal, e que, por isso, não tomou a medida antes. "Ninguém
consegue brigar em todas as frentes."
CRITÉRIOS
Os
objetivos do governo são, segundo ela, "melhorar a gestão, detectar
sobreposição de funções e ter mais eficiência". "Senão, fica
demagógico." Dilma não quis antecipar quais ministérios serão extintos
ou fundidos com outros.
"Não
posso dizer quem é que está marcado para morrer porque não tenho
certeza, primeiro, se vai morrer", disse. Questionada se o PT seria
preservado, disse: "Óbvio que não, querida. Não é por partido. O
critério não pode ser o PT será preservado e todos os outros... Não será
isso."
CORRUPÇÃO
A
presidente foi questionada se, em algum momento, imaginou que
militantes do PT estivessem envolvidos no esquema de corrupção
descoberto na Petrobras. "Não", disse. Quando um dos jornalistas quis
saber se tinha sido "completamente surpreendida", respondeu: "Fui. Acho,
e lamento profundamente".
Dilma
não quis tecer comentários sobre o juiz Sergio Moro. "Minha querida, me
desculpa, se você me perguntar de qualquer pessoa, não vou dar
opinião". Ela disse que "ninguém pode interromper esse processo [de
apuração]". Reconheceu, porém, que "as investigações, quanto mais
rápidas e mais efetivas, melhor".
SAÍDA
Dilma
não quis responder sobre os pedidos de impeachment, feitos pela
oposição, ou sua renúncia, sugerida pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso. "Não vou falar", afirmou. "Não é fácil, né? Não é uma sugestão
fácil."
ECONOMIA
"Nos
preocupamos imensamente com duas coisas. Primeiro é a queda no emprego.
Segundo é a inflação", disse, afirmando que o efeito da desaceleração
da China afetará o mundo todo. "Você terá um efeito China bastante
acelerado. Todo mundo pensa que é só commodities. Não é só."
MAROLA OU TSUNAMI?
"Até
eu voltar [da reunião] dos BRICS [em julho], estava achando que era
superável. Só não contava com essa queda sistemática. Estava achando que
era superável por tudo que eu sabia. Ia ter dificuldade, mas não ia ter
uma situação muito difícil. A partir de hoje, não sei. Ninguém sabe."
LEVY
A presidente mostrou-se chocada com rumores espalhados no mercado financeiro nesta
segunda de que seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, estaria de saída
do cargo pelo fato de ter viajado para os Estados Unidos inicialmente
sem compromissos oficiais. "Isso é mentira. Ele foi ver a menina dele
[filha], que vai morar na China", afirmou.
ERRO
"Fico
pensando o que é que podia ser que eu errei. Em ter demorado tanto para
perceber que a situação podia ser mais grave do que imaginávamos. E,
portanto, talvez, nós tivéssemos de ter começado a fazer uma inflexão
antes", reconheceu, afirmando que não dava para ter dimensão da crise em
agosto do ano passado, durante a campanha eleitoral.
"Talvez
porque não tinha indício de uma coisa dessa envergadura. A gente vê
pelos dados", justificou. "Nós levamos muito susto. Nós não
imaginávamos. Primeiro que teria uma queda da arrecadação tão profunda.
Ninguém imaginava". Para a presidente, a crise só ficou evidente entre
novembro e dezembro.
LULA
Dilma
defendeu o ex-presidente Lula, seu antecessor e padrinho político. "Não
acho correto o que fazem com ele. Quero manifestar em alto e bom som
que não concordo", disse. "Acho que tentam diminuí-lo, que tentam
envolvê-lo. Não acredito que em algum momento no futuro dê certo. Eu
acho que é uma coisa triste de ver isso sendo feito. Passam de todos os
limites."
Em
seguida, sem citar nomes ou partidos, disse que a oposição incentiva
sentimento de "intolerância inadmissível". "De repente você começa a ver
que isso é cultivado, incentivado. A intolerância é a pior coisa que
pode acontecer numa sociedade, porque cria um 'nós e o eles'. O 'nós'
tem direito a tudo, e o 'eles', a nada. Isso é a característica
principal do dualismo, fascista. É um desserviço ao país."
EDUARDO CUNHA
Questionada
sobre o que sentia em relação ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), afirmou: "Estou ficando budista, viu?"