Folha de S.Paulo – Carolina Linhares
O acordo de delação firmado entre o publicitário Marcos Valério e a Polícia Federal, que detalha um esquema conhecido como mensalão tucano,
também atinge os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e José Serra
(PSDB-SP), além dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e
Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Segundo a Folha apurou,
a colaboração com a PF incorpora 60 anexos (relatos de episódios de
supostas irregularidades) que haviam sido rejeitados pela
Procuradoria-Geral da República e pelo Ministério Público de Minas
Gerais. O novo acordo ainda ampliaria a lista de implicados.
A delação, assinada neste mês, foi
enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal) e depende de homologação. Não
está claro quais episódios serão considerados e investigados pela PF.
Valério escreveu a delação à mão na
prisão e teve os anexos posteriormente digitados. Os relatos contêm
erros de grafia, além de equívocos em nomes de personagens e datas.
Condenado a mais de 37 anos de prisão
pelo mensalão, Valério também é réu acusado de operar desvios por meio
de suas agências de publicidade, a SMP&B e a DNA Propaganda, para
financiar a fracassada campanha de reeleição do então governador
mineiro, Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998.
Uma planilha assinada pelo publicitário
aponta que a campanha recebeu cerca de R$ 10 milhões (R$ 33 milhões
hoje) em desvios de estatais como a Cemig, Copasa, Furnas, Comig,
Eletrobras, Petrobras, Correios, Banco do Brasil e Banco do Estado de
Minas Gerais, que seria privatizado ainda em 1998.
O documento, com data de 1999, foi
entregue à PF. O relatório aponta ainda que quase R$ 48 milhões (R$ 159
milhões atuais) foram obtidos via empréstimos, especialmente com o Banco
Rural. As dívidas, segundo os anexos, seriam quitadas por construtoras,
como a ARG e a Andrade Gutierrez.
De acordo com o controle de Valério,
foram arrecadados e distribuídos ao menos R$ 104 milhões (R$ 346 milhões
corrigidos) na campanha. A lista de recebedores inclui políticos e
membros do Judiciário.
Segundo a narrativa do publicitário, o
esquema de empréstimos fraudulentos do Banco Rural e ainda um repasse de
R$ 1 milhão da Usiminas via caixa dois beneficiaram também as campanhas
de FHC (1998), Aécio (2002) e Serra (2002). A siderúrgica também foi
usada na eleição de Lula, em 2002, conta Valério.
Os anexos afirmam que Serra atuou, após
perder a eleição presidencial de 2002, para resolver pendências do Banco
Rural e, em troca, teve R$ 1 milhão de dívidas de campanha pagos pelo
banco por meio da SMP&B.
PROPINA
Valério relata, nos anexos apresentados
ao Ministério Público, pagamento de propina em troca da obtenção de
contratos para suas agências. Durante o governo FHC, afirma, a DNA
propaganda repassou a Aécio 2% do faturamento do seu contrato com o
Banco do Brasil, que havia sido arranjado pelo senador com o aval do
ex-presidente.
O publicitário conta que, no governo
Lula, pagava R$ 50 mil por mês ao ex-ministro José Dirceu (PT) como
acerto por uma conta de publicidade dos Correios. A troca de favores
teria se repetido em órgãos como a Câmara dos Deputados, o ministério
dos Esportes e a Assembleia de Minas, entre outros.
Valério afirmou ainda que Aécio
encontrou-se, em Belo Horizonte, com a diretoria do Banco Rural e com os
então deputados Eduardo Paes (PMDB-RJ) e Carlos Sampaio (PSDB-SP), da
CPI dos Correios, de 2005, para blindar investigações sobre a campanha
de Azeredo. A maquiagem de dados do banco pelo tucano foi delatada
também pelo ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS).
Em outra CPI, a do Banestado, de 2003, o
Banco Rural, segundo Valério, repassou R$ 500 mil a parlamentares por
meio do deputado federal José Mentor (PT-SP) para escapar de acusações.
MENSALÃO
Os
60 anexos iniciais de Valério narram que o presidente do Instituto
Lula, Paulo Okamotto, foi nomeado pelo ex-presidente para ser o contato
com a SMP&B em meio à crise do mensalão, em 2005, e acertou um
pagamento via Andrade Gutierrez.
"Ficou
acertado uma ajuda no valor de R$ 5 milhões para pagar as despesas dos
advogados [...]. Ele nos falou que a construtora Andrade Gutierrez faria
o pagamento [...]. Pagamos os advogados dos réus, dando um pouco para
cada um dos seis réus do núcleo político", relata.
Valério
diz ainda que, junto com o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares,
articulou um encontro entre o banqueiro Daniel Dantas e o ex-ministro
Antonio Palocci para resolver problemas do Grupo Opportunity com o
governo Lula.
Em
troca, a Brasil Telecom, controlada pelo grupo, contratou serviços
superfaturados do publicitário Duda Mendonça no valor de R$ 12 milhões.
Os
anexos relatam ainda uma série de episódios envolvendo propina, como o
pagamento de uma reforma no estádio do Morumbi e em prefeituras
mineiras.
TENTATIVAS
As
tratativas para delação começaram ainda em meados no ano passado. Um
ofício de junho do Ministério Público de MG pede que os relatos sejam
enviados à PGR por tratarem de políticos com foro privilegiado no STF. A
Procuradoria chegou a enviar representantes a Minas, mas não levou o
acerto adiante.
Uma nova tentativa com a 17ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de BH foi recusada em março deste ano.
Sete
réus do mensalão tucano, incluindo Válério, ainda aguardam julgamento. O
episódio gerou, até agora, a condenação de Azeredo a 20 anos e dez
meses de prisão por peculato e lavagem de dinheiro. O julgamento em
segunda instância está marcado para o próximo dia 8.
OUTRO LADO
A defesa do ex-governador de Minas Eduardo Azeredo (PSDB-MG) afirma que não irá fazer comentários antes de ter acesso à delação.
Alberto
Toron, advogado do senador Aécio Neves (PSDB-MG), diz que as acusações
de Marcos Valério são falsas e que o publicitário "busca, reiterada e
desesperadamente, benesses para amenizar sua pena".
"Muitas
das acusações que agora faz contra o senador Aécio Neves, antigamente
fazia contra o PT. Seu discurso se amolda e seus personagens se alteram,
não de acordo com a verdade, mas de acordo com seus interesses privados
e escusos", diz Toron.
O
advogado argumenta que o contrato da DNA, de Valério, com o Banco do
Brasil foi firmado em 1994, antes do governo Fernando Henrique Cardoso.
"O próprio Ministério Público, em outras oportunidades, reconheceu e
descartou as inverdades dos discursos proferidos pelo sr. Marcos
Valério."
A
assessoria do ex-presidente FHC afirma que ele desconhece a delação e
qualquer pagamento de caixa dois em sua campanha à reeleição.
A
assessoria do senador José Serra (PSDB-SP) afirmou que "todas as suas
campanhas eleitorais foram conduzidas dentro da lei, com as finanças sob
responsabilidade do partido". "Acusações dessa natureza envolvendo o
senador são descabidas e completamente absurdas."
A
assessoria do Instituto Lula afirma que, desde 2012, Valério faz
acusações sem provas contra o PT e contra o ex-presidente Lula. Diz
ainda que todas as investigações foram arquivadas pelo MP e que Paulo
Okamotto não irá comentar suposições de delações.
O
advogado de José Dirceu, Roberto Podval, diz que dar credibilidade a
Valério é "desacreditar o próprio instituto da delação, que deve ser
tratado com responsabilidade".
O
deputado José Mentor (PT-SP) afirmou não ter conhecimento da delação e
que "não tratou de qualquer assunto da CPI do Banestado com Valério".
A
assessoria do Banco Opportunity afirma que Daniel Dantas não se
encontrou com o então ministro Antonio Palocci. "Delúbio Soares pediu ao
Opportunity que o ajudasse a pagar dívidas do PT, o que foi rejeitado."
Segundo
a assessoria, a agência de Duda Mendonça foi responsável pelo
lançamento da Brasil Telecom GSM, empresa de celular. O publicitário
sugeriu o plano "Pula-Pula: o consumidor pagava num mês, não pagava no
outro –o que era fácil de entender e foi sucesso."
A
defesa de Duda Mendonça preferiu não se manifestar. A defesa de Delúbio
afirma que não teve acesso à delação, mas reafirmou que o ex-tesoureiro
do PT nunca cometeu qualquer ato ilegal e está à disposição para
esclarecimentos.
A
assessoria da Andrade Gutierrez afirma que a empresa, que firmou acordo
de leniência, não vai comentar a delação, mas "reforça seu compromisso
público de esclarecer e corrigir todos os fatos irregulares ocorridos no
passado".
A Folha
não obteve sucesso no contato com o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes
(PMDB), com o deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) e com o
ex-ministro Antonio Palocci nesta sexta (21).