Empresas
do delator Júlio Camargo foram usadas para fazer repasses de R$ 250 mil
para a igreja que apoia o presidente da Câmara como forma de quitar
parte da propina, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República
Por Mateus Coutinho
O
procurador-geral da República Rodrigo Janot acusa o deputado Eduardo
Cunha de indicar a Igreja Evangélica Assembleia de Deus para receber
parte da propina de ao menos US$ 5 milhões destinada a ele referente aos
contratos para viabilizar a construção de dois navios-sonda usados pela
Petrobrás. Parte dos repasses foram divulgados pelo Estado no mês
passado.
Segundo a
denúncia contra o presidente da Câmara apresentada nesta quinta-feira, o
lobista e delator da Lava Jato Júlio Camargo foi procurado em 2012 por
Fernando Soares, que operava a propina para o PMDB na estatal, e lhe
indicou que ele “deveria realizar o pagamento desses valores à Igreja
Evangélica Assembleia de Deus”, assinala a denúncia. O nome da igreja no
registro da Receita Federal corresponde à Igreja Evangélica Assembleia
de Deus, ministério Madureira, em Campinas (SP).
“Segundo
Fernando Soares, pessoas dessa igreja iriam entrar em contato com o
declarante, o que realmente ocorreu”, segue o procurador-geral da
República. A partir de então, foram feitas duas transferências em agosto
de 2012 das empresas de Júlio Camargo, Piemonte e Treviso, no valor de
R$ 125 mil cada que tiveram como destino uma filial da Assembleia de
Deus Ministério Madureira em Campinas “ambas com a falsa justificativa
de pagamento a fornecedores”, segue Janot na denúncia.
O
procurador-geral afirma que “não há dúvidas de que referidas
transferências foram feitas por indicação de Eduardo Cunha para
pagamento de parte do valor residual da propina referente às sondas”. A
denúncia ainda ressalta que Júlio Camargo nunca frequentou a igreja
evangélica e “professa a religião católica”, além de nunca ter feito
doações para a Assembleia de Deus antes deste episódio.
Culto. Em
fevereiro deste ano, Cunha chegou a participar de um culto de mais de
duas horas em comemoração a sua eleição para a Presidência da Câmara
junto com outros políticos na Assembleia de Deus Madureira, no Rio de
Janeiro. Na ocasião ele declarou ter trocado a Igreja Sara Nossa Terra
pela Assembleia de Deus Madureira. A bancada evangélica foi uma das que
mais apoiou Cunha na eleição para a Presidência da Câmara.
O
presidente da Assembleia de Deus Madureira no Rio, pastor Abner
Ferreira, contemplou o presidente da Câmara no culto. “O Satanás teve
que recolher cada uma das ferramentas preparadas contra nós. Nosso irmão
em Cristo é o terceiro homem mais importante da República”, disse o
religioso na época. Abner Ferreira é irmão do pastor Samuel Ferreira,
que preside a Assembleia de Deus no Brás, em São Paulo, e aparece no
registro da Receita Federal como presidente da Assembleia de Deus
Madureira em Campinas, que recebeu os R$ 250 mil das empresas de Júlio
Camargo.
Na denúncia
apresentada nesta quinta, Janot acusa o presidente da Câmara de ter
recebido propina no valor de ao menos US$ 5 milhões para viabilizar a
construção de dois navios-sondas da Petrobras, no período entre junho de
2006 e outubro de 2012. A denúncia destrincha a complexa rede de
empresas de fachada e offshores utilizada por Júlio Camargo, Fernando
Soares e o ex-diretor de Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró para
receber um total de US$ 40 milhões de propinas movimentadas no exterior e
no Brasil, inclusive por meio da igreja evangélica.
Em nota
divulgada nesta noite, Cunha afirmou ser inocente e disse refutar “com
veemência” o que ele chamou de “ilações” da Procuradoria-Geral da
República. A assessoria de imprensa do pastor Samuel Ferreira ainda não
retornou aos contatos da reportagem. Contatado pela reportagem no mês
passado para comentar os repasses, o religioso não quis falar sobre o
caso.